Dançando com lágrimas nos olhos
Por Alexandre Inagaki ≈ domingo, 02 de janeiro de 2011
Sair para passar a noite em uma pista de dança é um ato de catarse no qual você dá uma trégua para o seu cérebro, permitindo que o corpo dite os comandos. É um ato de religiosidade laica, que busca libertar a mente dos pensamentos cotidianos, mergulhando-a em outra dimensão na qual o ser torna-se todo fibras, músculos e carne. Por isso dançar é uma necessidade que por vezes se torna irrefreável; porque há momentos em que precisamos ver gente e ver luzes, deixando que o corpo se agite no ritmo de uma música que faz com que sintamos que estamos plenamente vivos.
Na maior parte dos casos, música para dançar é sinônimo de trilha sonora de festa. E, de fato, um baladeiro desavisado que ouve um hit pop como “With Every Heartbeat” poderá se acabar de dançar numa pista, sem sequer perceber que se trata de uma das canções mais dolorosamente belas que já foram feitas sobre amor.
Desafio qualquer incauto a ouvir a emocionante versão em voz e piano de “With Every Heartbeat”, que valoriza ainda mais versos como “still I’m dying with every step I take/ but I don’t look back/ and it hurts with every heartbeat”, sem se impressionar com o talento desta cantora sueca que em 2010 gravou nada menos do que 3 álbuns, devidamente elencados pela crítica especializada nas listas de melhores do ano: Robin Miriam Carlsson.
Robyn é uma cantora pop que criou sua própria gravadora, a Konichiwa Records, para lançar seus discos, assegurando sua autonomia artística. Em declaração publicada no El País (que, com muita justiça, considerou-a uma das protagonistas de 2010), Robyn afirma: “Não pretendo ser uma estrela do pop mainstream. Ter o controle sobre minha música é mais importante do que vender discos”.
Como toda boa cantora pop, Robyn cunhou diversos hits em potencial na sua trilogia de álbuns Body Talk. Porém, quem conseguir prestar a merecida atenção em seus versos perceberá que suas composições são um inventário de fragmentos do discurso amoroso na forma de dance music. Um bom exemplo do que digo é “Dancing On My Own”, melhor música de 2010 segundo os críticos do jornal The Guardian: o relato de uma garota que, movida por um certo impulso masoquista, observa em meio a uma balada seu ex ao lado de uma nova “amiga”. E dança a noite inteira, sendo solenemente ignorada pelo novo casal, numa vigília que é também uma despedida (“So far away, but still so near/ The lights go on, the music dies/ But you don’t see me, standing here/ I just came to say goodbye”).
Outro bom exemplo da sensibilidade com que Robyn captura os dilemas amorosos da modernidade, digna dos melhores cronistas, é “Call Your Girlfriend” que aborda o tema do rompimento amoroso de uma maneira serenamente adulta (e sutilmente cínica), que não recordo de ter visto em nenhuma canção pop.
Chame sua namorada
É hora de ter aquela conversa
Dê suas razões
Diga que não é culpa dela
E que você simplesmente encontrou alguém novo
Diga a ela para não ficar triste
Tentando distorcer tudo que você disse e fez
E se ela se entristecer diga que você nunca quis machucar ninguém
E então diga que o único modo do coração dela se curar
É quando ela aprender a amar novamente
E que não fará sentido agora
Mas você ainda é amigo dela
E então você a deixa
Eu, que nunca fui grande entusiasta de electronic dance music, me rendi ao talento de Robyn. Em sua resenha sobre Body Talk, Tiago Superoito (autor de um dos melhores blogs sobre cultura pop do país) comentou: “Com arranjos introspectivos, seria um dos discos mais melancólicos da temporada”. Sua afirmação certeira aplica-se a boa parte de todas as composições de Robyn. Compare, por exemplo, o arranjo eletrônico original de “Be Mine” com a emocionante versão cantada por Robyn durante a cerimônia do Prêmio Nobel da Paz em 2008. Devo admitir que tive de fazer minhas as palavras de uma comentarista no YouTube que escreveu: “I always fight with my tears at the part when she says ‘I just miss you, that’s all.’”
P.S. 1: Após ter escrito este texto, meu jukebox mental resgatou um som de 1984: “Dancing With Tears in My Eyes”, do Ultravox. Agora você já sabe de onde veio o título deste post.
P.S. 2: A pedido do Move That Jukebox, escrevi um texto sobre a melhor música e o melhor disco de 2010. Não, não citei Robyn, apesar dela ter emplacado vários dos meus Top 5. Clique aqui, pois, para conferir minhas escolhas.
P.S. 3: Ainda em ritmo de retrospectiva, esta é a minha coluna mais recente para o TechTudo: “O melhor (e o pior) dos blogs em 2010″. Ah, também fiz um balanço do que rolou no ano passado no mundo digital (e ainda arrisquei um exercício de futurologia) nesta breve entrevista para o caderno Link do Estadão.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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