Como virei personagem de HQ a fim de entrevistar o protagonista de Terapia
Por Alexandre Inagaki ≈ quinta-feira, 12 de setembro de 2013
Cada vez mais, os autores de histórias em quadrinhos – tanto no Brasil como no exterior – têm usado o Catarse e outros sites de crowdfunding para serem publicadas. Trata-se de uma parceria direta com o leitor, que compra o álbum antes mesmo dele ser impresso, apostando no projeto junto com os autores. Além de estreitar ainda mais a relação entre os autores e seu público, isso garante uma liberdade criativa imprescindível aos roteiristas e desenhistas. Ou seja: todos ganham no processo.
Um dos projetos atualmente em vigor no Catarse é o de Terapia. A HQ, desenhada por Mario Cau e roteirizada por Rob Gordon e Marina Kurcis, acompanha um garoto de vinte e poucos anos que não se sente feliz, mesmo tendo uma vida aparentemente perfeita. Assim, ele conversa com seu psicólogo sobre diversos aspectos de seu presente e passado – incluindo a sua paixão por antigas músicas de blues que, mais que uma paixão, funcionam como uma válvula de escape para ele – para entender melhor o mundo e, principalmente, a si mesmo.
Publicada semanalmente no portal Petisco, Terapia ganhou o HQMix de Melhor Webcomic em 2012 e foi finalista na categoria novamente em 2013, tornando-se uma das mais famosas HQs brasileiras publicadas na internet hoje em dia – e que agora chegará ao papel, num álbum de luxo, caso o projeto seja bem sucedido!
Para falar mais sobre a história, sobre a situação dos quadrinhos nacionais e sobre o projeto do Catarse, fui convidado pelos autores para um bate-papo exclusivo com o personagem principal da história… Desde que, para isso, eu também me transformasse num personagem de Terapia, para conversar com ele de igual para igual. Confira!
É difícil responder isso. Afinal, como eu sempre fui um personagem de história em quadrinhos, para mim é a coisa mais normal do mundo. Aliás, talvez você possa responder isso melhor que eu.
Eu?
Sim. Você é uma pessoa, mas se transformou em uma HQ agora, para poder me entrevistar. Então, você sabe como é ser de carne e osso e agora sabe como é ser um desenho. Você consegue comparar. Eu não. Mas, enfim, eu gosto de ser um personagem de HQ. Tem certo charme, não posso negar isso. O problema é que as pessoas sempre esperam que, mais cedo ou mais tarde, você terá um superpoder.
Como assim?
Bom, a maior parte dos quadrinhos mais conhecidos é com super-heróis ou alguma temática sobre-humana ou fantasiosa… Então, basta alguém descobrir que você é um personagem de HQ para a pessoa já começar a perguntar “Qual seu superpoder? Você voa? Você escala paredes?”. E, quando eu digo que “não, sou o personagem de uma pessoa completamente comum”, às vezes vejo que a pessoa se decepciona um pouco [risos]. Mas logo ela se acostuma com isso e vê que a proposta da HQ em que eu apareço, Terapia, é totalmente diferente, e que superpoderes não cabem ali.
Aliás, eu queria falar um pouco sobre a HQ. Terapia é apresentada pelos seus criadores como o cotidiano de um rapaz que não se sente feliz, e conversa com seu terapeuta sobre diversos elementos da sua vida em busca de uma resposta. Mas como você, que está dentro da história, definiria isso?
Bem… É complicado. Afinal, estamos falando da minha vida ali. Você não consegue colocar uma sinopse na vida. Esse jeito que você definiu a história não está errado. Mas está incompleto. Eu sou mais que um “cara que não se sente feliz”. Ao menos, gosto de pensar assim. Aliás, veja bem, se você falar “cara que não se sente feliz” muita gente vai pensar em um moleque que fica chorando pelos cantos. Eu não sou assim. A questão, bem…
Incompleto?
Sim. Está lá na história. A minha vida é boa. Tenho a mesma vida de uma pessoa comum da minha idade… Aliás, é por isso que eu não tenho nome, sabia?
Mesmo?
Sim. Porque eu não sou uma pessoa, eu sou diversas pessoas. Eu não tenho nome, minha cidade não tem nome. Isso é uma das coisas que eu mais gosto no roteiro. Ele é universal. Se você for para São Paulo, vai achar alguém parecido comigo. No Rio, mesma coisa. Aliás, nem precisa ser no Brasil. Em qualquer cidade que você olhar, você encontrará alguns “garotos ou garotas de Terapia” andando por aí. Isso é uma responsabilidade muito grande, mas é algo que me enche de orgulho.
Imagino. Você estava falando sobre “se sentir incompleto”…
Isso. Então, eu não sou infeliz, amargurado. Quer dizer, não sei como os roteiristas me enxergam. Mas eu me sinto incompleto… Como se estivesse em uma encruzilhada, precisando tomar decisões sobre minha vida, sobre mim. E, seja sincero… Quem nunca passou por algo parecido?
Verdade. Mas você tem o diferencial de ser apaixonado por blues…
Sim, sim. O blues é uma das coisas que mais gosto em Terapia. Pois quando você lê com atenção, você percebe que nenhuma música ali está de forma gratuita. Tudo tem a ver com o roteiro. Eu não sei como eles encontram essas músicas… Achei que só eu conhecesse essas coisas! Bom, eu e aquela garota da minha faculdade, mas isso não vem ao caso [risos]… Enfim, Devem passar horas pesquisando. Mas toda música que está lá se encaixa no roteiro. Ou, melhor, no que estou sentindo naquela hora.
Mas você pessoalmente gosta de blues?
Adoro. Sempre adorei. Por isso é justamente um dos elementos de Terapia que eu mais gosto, desde o início.
Vamos falar um pouco sobre o outro principal personagem da série, seu Terapeuta. Como funciona a dinâmica entre vocês?
[pensa alguns instantes]. Não sei como definir isso. Porque ela muda o tempo inteiro. Veja bem, se Terapia fosse uma HQ mostrando eu conversando com um terapeuta, as pessoas se cansariam. Então, às vezes ele funciona como minha consciência, em outras como meu guia. Se você prestar atenção, existem páginas nas quais ele não aparece, mas é possível sentir sua presença ali. Ele está em todas as páginas. Mas o impressionante é que tudo tem base teórica. Nada do que o terapeuta diz ou faz é diferente do que um terapeuta possa fazer.
Aliás, como é sua relação com os autores?
Olhe, eu não sei como as páginas são criadas. Até onde eu sei, o Rob e a Marina fazem o roteiro e, quando está finalizado, mandam para o Mário desenhar. É só o que eu sei, e assim mesmo só de ouvir falar. Talvez nem seja assim. Sei que, de repente, eu estou ali, desenhado, falando e publicado na internet.
Você sabe o que vai acontecer com você nos próximos capítulos?
Não faço ideia.
Você acha que já está tudo planejado pelos roteiristas?
Bom, espero que sim [risos]. Já pensou se os caras estão inventando tudo enquanto escrevem? Aí eu estou perdido!
Vamos mudar um pouco o assunto. Terapia têm alguns leitores que acompanham a história desde o começo…
Olhe, eu não sabia disso até pouco tempo atrás… Quer dizer, eu sabia que tem gente que lê toda a semana, desde o começo, mas… Olhe, num dos últimos capítulos, alguns leitores mandaram comentários muito fortes. Em um deles, a pessoa dizia que estávamos descrevendo a vida dela. Em outro, o leitor dizia que uma página específica havia o convencido a tomar uma decisão. Então, os leitores se identificam muito com o que está acontecendo. Como eu disse acima, eu não tenho nome, eu posso ser qualquer pessoa. Mas de uns tempos para cá, eu descobri que isso vai além de eu não ter nome. Os leitores…
Mas Terapia ganhou um HQMix…
Sim, isso eu sabia. Inclusive, eu queria aquele troféu para mim [risos]. Porque, tudo bem, o Mário desenha, a Marina e o Rob escrevem, mas quem está aqui na linha de frente sou eu [risos]. Falando sério, foi uma honra enorme. Um dia você está sendo criado, ganhando traços, formas… No outro, você está ganhando um prêmio como a melhor HQ publicada na internet em todo o país. É uma honra muito grande. Quase tão grande quanto o amor dos leitores pela HQ.
Os leitores valem mais?
Muito mais. Sem leitores, não teríamos chegado ao capítulo que estamos… Sete? Oito? Nem consigo lembrar. Enfim, são quase 100 páginas. Sem leitores, nada disso teria acontecido. Ganhar o HQMix em um ano, ser finalista no outro… Sem leitores, jamais chegaríamos aqui. Existe muita HQ no Brasil que morre por causa disso.
Este é o grande problema da HQ no Brasil? A falta de visibilidade?
Olhe, eu vou arriscar algumas coisas aqui, mas posso estar errado. Eu não sou autor, sou um personagem. Mas o público brasileiro precisa começar a descobrir as HQs brasileiras. E, vamos ser sinceros: existe preconceito, sim. Existe gente que gosta de HQ, mas não lê HQs nacionais, acha que são mal feitas. Existe gente que lê HQs nacionais, mas não lê se não for publicado por uma editora grande. É complicado. Hoje em dia, você tem muita gente boa fazendo histórias por aí. E HQs de muita qualidade. Ah, e outra coisa… Uma HQ na internet é algo mais difícil de ser escrito que uma HQ para um livro.
Como assim?
Num livro, você precisa apenas que o leitor vire a página. Na internet, você precisa que cada página faça com que ele queira voltar na semana seguinte para ver a atualização. É muito mais difícil. Então, a internet facilitou muito. E, ao contrário do que as pessoas imaginam, não é qualquer pessoa que faz uma HQ na internet. Você precisa ser bom para manter o leitor. É mais ou menos assim: qualquer pessoa publica uma HQ na internet, mas não é qualquer pessoa que consegue manter uma HQ na internet.
Entendi. Mas, agora…
… e, como eu disse, isso vale mais que um HQMix.
O projeto tem muitas recompensas também.
Muitas. O álbum já vai ter muita coisa… Esboços, páginas de roteiros… E as recompensas… Bom, tem desenhos originais do Mário, tem um ArtBook com desenhistas convidados, e isso é algo que estou curioso para ver. Deve ser engraçado eu me ver desenhado por alguém que não seja o Mário. Agora, o que estou ansioso para ver é a faixa de áudio com os comentários dos autores. Imagine só: você ler uma HQ e poder ouvir os autores comentando página a página como aquilo que você está vendo nasceu? Acho que nunca alguém fez isso com uma HQ. Nem aqui, nem em qualquer outro lugar do mundo.
Você acha que o projeto vai dar certo?
Tem que dar. Por isso, eu peço também aos seus leitores, em especial aos que gostam de quadrinhos. Conheça Terapia. Se você não gostar, prometo, e aqui eu falo em nome dos autores, que nos esforçaremos para melhorar. Mas, se você gostar da história, contribua com nosso projeto no Catarse comprando o álbum. Fazer Terapia ser impresso é algo que depende dos leitores. Então, contribua e mostre aos seus amigos que gostam de HQs. Isso é tão importante quanto comprar o álbum. Quanto mais gente ficar sabendo do projeto, maiores são as chances dele acontecer. E, assim, eu preciso que seja impresso. Porque é um sonho dos autores, é um sonho dos leitores… Mas, no meu caso, é a minha vida, né? [risos].
Certo. Vamos torcer para dar certo.
Obrigado. E eu gostaria…
P.S. 1: Importante reiterar: ajude a fazer com que Terapia se transforme em um livro encadernado, totalmente em cores e formato especial, contendo os 7 primeiros capítulos da história e uma série de extras. Visite http://catarse.me/pt/terapia, veja as recompensas bacanas que serão oferecidas a quem ajudar o projeto e, claro, torne-se um apoiador desta empreitada. :)
P.S. 2: Agradeço a Rob Gordon, Mario Cau e Marina Kurcis por terem me tornado personagem de HQ nesta entrevista. Em tempo, eis a minha resposta à pergunta do último quadrinho: é sensacional!
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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