Coisas que Porto Alegre tem nos supermercados

Por Alexandre Inagakiterça-feira, 24 de dezembro de 2013

Viajar para outros lugares e sentir uma espécie de estranhamento ao se deparar com outros hábitos e costumes é um sentimento normal, especialmente se você está no exterior. Mas, morando em um país de dimensões continentais como este, não é difícil se surpreender com costumes e expressões locais. Diga uma frase como “prove o cartola do Leite” a qualquer brasileiro que não more no Recife, por exemplo, e veja a expressão confusa no rosto de quem nunca ouviu falar em um dos restaurantes mais antigos do país, e ainda não teve o prazer de provar uma das sobremesas mais saborosas da Terra Brasilis.

E é assim que, enquanto em São Paulo pessoas chupam mexericas enquanto tomam sol, em Porto Alegre elas lagarteam comendo bergamotas. Mas não é só nas expressões que as duas cidades que mais frequentei em 2013 se diferenciam. E basta fazer o rancho em um supermercado gaúcho para me deparar com coisas que eu dificilmente encontraria em Sampa. Alguns dos itens citados neste post provavelmente também devem ser comuns em outros estados do Sul, mas só vim a conhecê-los mesmo em minhas andanças pelas terras gaudérias, após estar devidamente familiarizado com hábitos como comer um xis, tomar um chimas até roncar a cuia, curtir o pôr do sol do Guaíba, dar umas bandas até a Cidade Baixa, comprar bugigangas no Brique da Redenção, se empanturrar com café colonial em Gramado (ou com o filé à parmegiana do Tudo Pelo Social), entender que em Forno Alegre faz um calor de desmaiar o Batista, pegar a freeway e viajar pra ver o chocolatão, descobrir as mil e uma diferentes conotações da interjeição “bah!” e chamar a namorada de prenda minha, tchê!

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CuecaVirada

Quando vi pela primeira vez o nome desse doce numa gôndola em Porto Alegre, ele era chamado de calça virada, alcunha suficiente para me chamar a atenção. Só depois descobri que aquela era uma denominação mais família, e que seu nome mais roots é cueca virada. O verbete na Wikipedia para este doce feito de massa caseira frita e coberta com açúcar, explicando a origem do nome, tem um trecho que precisa ser citado na íntegra por aqui:

O nome brasileiro é bem ao gosto galhofeiro do povo do Brasil, eis que aponta uma similitude na aparência de dupla trança do doce com a roupa íntima masculina quando é retirada do corpo após o uso.

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Este saboroso salgadinho folhado, sequinho e crocante, cujo design retrô de sua embalagem aparenta ser o mesmo desde os primórdios, é irresistivelmente viciante, fazendo com que a compulsão de lamber os dedos ainda repletos de farelos, após o pacote ter sido esvaziado, seja praticamente inevitável.

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E eis a cerva tipicamente gaúcha, que estampa com orgulho as cores da bandeira do Rio Grande do Sul em seu rótulo e lançou há alguns anos o livro 1002 Coisas pra se Fazer no RS Antes de Morrer. Em tempo: vale a pena conferir o comercial em que a dupla de garotos propaganda da Polar se imagina em São Paulo, após flertar com umas gurias paulistas (mas abstraia os comentários ranzinzamente bairristas deixados no YouTube).

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Cuia, erva-mate e filtro pra bomba de chimarrão em outro lugar que não seja um mercado gaúcho? Bah, capaz!

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Do mesmo modo que brigadeiro é negrinho e pão francês é cacetinho, foi em Porto Alegre que descobri que mexerica também é bergamota.

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Mu-mu é sinônimo de doce de leite no Rio Grande do Sul. E churros sem mumu é como avião sem asa ou fogueira sem brasa.

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“Seção de frios e laticínios” tornou-se um nome absolutamente insípido depois que descobri que em Porto Alegre ela é chamada de fiambreria.

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Piá, Bib’s, Fruki, Charrua, Sarandi: taí algumas das marcas locais que desconhecia até começar a frequentar as unidades do Zaffari ou do Nacional.

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Outra revelação para mim foi descobrir o radiche (ou “radicci”), que faz parte da relação de típicas comidas de gringo. Uma salada de radiche com bacon e vinagre integra o cardápio tradicional das galeterias da Serra Gaúcha junto com outros acompanhamentos clássicos como sopa de agnolini (com queijo parmesão ralado), polenta frita e salada de maionese, arrematando ao final com a sobremesa típica da região: sagu com creme.

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Um supermercado gaúcho que se preze certamente terá em alguma de suas prateleiras algum produto com o escudo do Grêmio, lado a lado com outro do Inter. Futebol, né.

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Grostoli é o nome italiano daquela iguaria que a galhofa tupiniquim tratou de reapelidar como cueca virada. :)

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E eis a versão melhorada do sorvete napolitano. #RSMelhorEmTudo

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Vazio, o substantivo, é bem melhor que o adjetivo: gaúchos chamam assim este corte de carne bovina que no restante do país é conhecido como “fraldinha”.

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Existe alguma diferença entre mandolate e torrone? Bem, talvez seja a mesma entre biscoito e bolacha. Ou entre stop e adedanha.

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Você passa geleia pra comer com pão? Os gaúchos usam chimias, dos mais variados sabores: abóbora com coco, figo, goiaba, pêssego, pitanga, ovo, laranjinha-da-china, casca de banana, yada yada yada.

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Para encerrar bem este post, taí a foto de uma cuca: este saboroso bolo de origem alemã, coberto com crosta de farofa doce feita de manteiga, farinha e açúcar, que pode ser recheado com nata, frutas vermelhas, goiabada, banana, chocolate, abacaxi, leite condensado e outras delícias. Poucas coisas nesta vida são tão saborosas quanto uma fatia de cuca colonial acompanhada por café preto.

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P.S. 1: Já conhece a Tchêpédia?

P.S. 2: E os vídeos da série Coisas que Porto Alegre Fala?

P.S. 3: No dia de hoje, deixo aqui o trecho de um texto escrito por Clarice Lispector (não, não é apócrifo). Feliz Natal! :)

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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  • Carolina

    Oi Alexandre, olha só mais umas cervejas daqui, que tu poderá experimentar qdo retorar a PoA http://wp.clicrbs.com.br/codevilla/2014/02/12/rock-gaucho-cervejeiro-embriague-se/?topo=52,1,1,,219,e219

  • Karine Lisboa

    Puxa Inagaki, sempre fui sua fã, mas confesso que fiquei um tempinho sem entrar no seu blog, não sabia que você tinha virado um visitante frequente de Poa! Legal o post, algumas coisas eu até nem sabia que eram só daqui, tipo Bib’s ou radiche :P Se eu te vir em algum bar pela Cidade Baixa vou pedir um autógrafo, hein! Abraço!

  • Luis

    Olá, Alexandre! Uma observação: geleia e chimia são diferentes. A chimia é mais consistente, tem pedaços de frutas, bagaço e, às vezes, casca. Abs!

  • Paula

    So pra esclarecer, Grostolis nao e a mesma coisa que cueca virada (apesar da semelhanca). O Grostoli e uma massa seca e crocante, a cueca virada e de massa macia e tem acucar (as vezes com canela) por cima. E o mandolate e somente uma massa branca (q nao sei do q e feito) com amendoim enquanto o torrone tem camadas intercaladas com uma casquinha crocante e a massa branca com amendoim.

  • Marina

    me diverti com esse texto, obrigada! só que a gente faz rancho no super heheheh

  • pedro lucas pedroso

    por isso que tenho orgulho de ser gaúcho e porto alegrense …bah tri legal mesmo.

  • Charles Pilger

    Oi Alexandre! Só para constar: cueca virada (ou calça virada, dependendo do região) é doce e com massa mais encorpada, enquanto grostoli é salgado e com massa mais fina e crocante.

  • http://www.sobrefatalismos.wordpress.com/ Nina Vieira

    É aqui no Brasil, mas a cultura é tão singular, tão própria, que às vezes nos parece ter um abismo muito grande.
    Mas é só a diversidade, contribuindo culturalmente. Adoro esse tipo de análise quando visitamos um local.
    Abraços.

    http://www.cronistaamadora.wordpress.com

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      Pois é, Nina. O Brasil é um continente de 26 estados e um Distrito Federal riquíssimo em culturas locais. :)

  • Patricia

    Muito legal o texto. Parabéns! Mas vazio e fraldinha são cortes diferentes, e tu encontra os dois no super.

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      Oi Patricia, tudo bem? Obrigado pelo comentário. :) Sobre cortes bovinos, segue abaixo a ilustração dos cortes bovinos feita pelo Serviço de Informação da Carne, órgão mantido pela Associação Brasileira de Marketing Rural. Há muita gente que diz que vazio e fraldinha são cortes distintos, mas a maior parte das fontes que consultei, como http://sites.beefpoint.com.br/beefpoint/vamos-por-partes/ e http://www.estadao.com.br/suplementos/paladar/reportagens/not_sup2716,0.shtm, não faz distinções entre fraldinha e vazio. E eu, que desconhecia totalmente a existência do vazio antes de conhecer melhor o Rio Grande do Sul, e cheguei a conversar com alguns churrasqueiros de lá sobre essa história, cheguei à mesma conclusão dessas fontes.

  • Marcio Dos Santos

    parabéns pelo post bah loco de especial….orgulho de ser gaucho

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      Valeu, Marcio! Sou de São Paulo, mas fui devidamente cativado pela riqueza cultural do Rio Grande do Sul. :)

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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