Poesia numa hora dessas?
Por Alexandre Inagaki ≈ quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Quando comecei a navegar pela internet, em meados de 1997, a primeira coisa que fiz foi tentar encontrar pessoas que compartilhassem dos mesmos interesses que possuo. Inscrevi-me, por exemplo, em fóruns e listas de discussão que falavam de Arquivo X, cinema brasileiro e quadrinhos em geral. Na época, eu ainda não havia abandonado o curso de Letras da USP e nutria em silêncio o sonho de um dia me tornar um escritor reconhecido, daqueles que lançavam anualmente best-sellers e freqüentavam a lista dos mais vendidos da Veja quando ela ainda merecia respeito.
Data desses tempos a época em que participei de uma lista de discussões intitulada “Escritas”, reunindo poetas inéditos que trocavam entre si mensagens com críticas, observações e versos das mais variadas métricas, formas e gêneros, num ambiente no qual a internet era como sempre deveria ser: um ponto de encontro online no qual conhecimentos são generosamente compartilhados. Por meio de listas como a “Escritas”, li pela primeira vez autores como Orlando Tosetto Junior, Lau Siqueira, Fred Matos, Maria Frô, Daniel Francoy, José Félix, AL-Chaer, Tatiana “Sweethell” Leão, Sara Fazib e Alyuska Lins, que vocês talvez não conheçam porque infelizmente o mercado editorial brasileiro nem sempre contempla os melhores escritores, em especial aqueles que se dedicam a versos. Ainda mais em um país estranho como o nosso, no qual há mais “poetas” (com ênfase nas aspas) do que leitores de poesia, e são raras as pessoas que dominam a arte da metrificação, têm noção do ritmo compassado das redondilhas ou são capazes de distinguir sonetos ingleses de sonetos italianos.
Eu, que há tempos abandonei a ilusão de virar um grande autor, deixei arquivado um livro de poesias intitulado Aprendizado - Rascunhos Definitivos, que está devidamente guardado na adega da minha gaveta até que o vinho um dia revele sua condição de mero vinagre. De vez em quando sucumbo à tentação de publicar alguns versos só para constatar que poesia definitivamente não dá ibope, vide os escassos comentários a poemas meus como “Sete Faces”, “Língua” e “Futebol”. Menos mal que atualmente me dedico a atividades capazes de garantir o meu nome fora do SPC e do Serasa, destinando o ofício da poesia a escribas mais qualificados. Contudo, quando recebi e-mails de antigos colegas da lista “Escritas” relatando a criação do blog coletivo Poetas Lusófonos com o intuito de reunir novamente amigos virtuais que se conheceram há mais de uma década, não pude deixar de resgatar certas lembranças. Para não deixar este post sem um verso sequer, segue abaixo um poema que escrevi há mais de oito anos. Ocasionalmente sinto saudades daqueles tempos em quis me tornar um escritor.
O Código Secreto das Estrelas
Leio nas entrelinhas do teu sorriso
rumores, canções que falam em pássaros.
Teus passos soletram pelas calçadas
sussurros de sombras por entre pétalas secas.
Falo de sonhos como quem tange nuvens,
galáxias, sintaxes de sons de estradas,
enquanto o tempo risca no vidro da memória
confusas lembranças que sibilam ferozes.
Hoje sei que tudo passa, embora ainda durma
com olhos de vigília e perfumes apócrifos.
Recordo com gosto agridoce de espelhos
na boca tua pele, teu sexo, teus olhos.
O tempo é turvo. O tempo é turvo.
Mastiga utopias, cospe sementes de névoa,
esparge fagulhas de luz no passado
- brinquedo imberbe nas mãos do acaso.
Mas não quero mais ser racional.
Deitado dentro de mim, hoje evoco
o momento único em que te encontrei,
e já começava a te perder.
P.S. 1: Peguei emprestados o título e a ilustração deste post de um livro de Luis Fernando Veríssimo.
P.S. 2: Eis a minha lista de dez poemas que recomendo a qualquer um que se interesse por versos realmente bons: “Tabacaria” (Fernando Pessoa), “em algum lugar onde nunca estive” (e. e. cummings), “A Casada Infiel” (Federico Garcia Lorca), “A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock” (T. S. Eliot), “Áporo” (Carlos Drummond de Andrade), “A Sierguéi Iessiênin” (Vladimir Maiakóvski), “O Tygre” (William Blake), “Balada (em memória de um poeta suicida)” (Mário Faustino), “Janelas Altas” (Philip Larkin) e “Uma Faca Só Lâmina” (João Cabral de Melo Neto).