Cláudio Rodrigues e Claucirlei Jovêncio de Souza, dois amigos desde os tempos em que eram vizinhos na comunidade do Salgueiro, talvez representem o caso de dupla mais injustiçada de toda a MPB. Melhor reconhecidos pela alcunha de Claudinho & Buchecha, gravaram seis álbuns entre 1996 e 2002, ano em que Claudinho morreu vitimado por um acidente automobilístico. Tempo suficiente, porém, para que cunhassem alguns dos melhores chicletes de ouvido dos últimos tempos, como “Nosso Sonho” (verdadeiro compêndio da geografia suburbana carioca), “Fico Assim Sem Você” (sucesso recente na voz de Adriana Calcanhoto, conhecido pelos proféticos versos “Amor sem beijinho/ Buchecha sem Claudinho/ Sou eu assim sem você”) e “Conquista” (o hit do “tchurururu”).
Além da inegável veia pop, com influências de funk e soul, é preciso destacar as letras escritas por Buchecha. Ex-auxiliar de pedreiro e office-boy, não chegou sequer a completar o primeiro grau. Em compensação, tornou-se contumaz leitor de dicionários, sendo que cada palavra que chamava sua atenção era anotada em um caderno para posterior aproveitamento em suas músicas. Provém daí a inspiração para versos como “se o destino adjudicar esse amor poderá ser capaz, gatinha” ou “nem sei se era eu próprio, mas me machuquei ao perquirir, notei o seu opróbio”. Atualmente em carreira-solo, Mc Buchecha mantém o vigor de suas composições. Vide, por exemplo, “Laços”, música com samplers de “Pocket Calculator” do Kraftwerk e uma letra de romantismo comoventemente naïf: “Os casais se encontravam na pracinha/ Se abraçavam e se beijavam em puro mel/ Hoje ninguém mais namora e o tapinha/ É o convite mais ativo pro motel”. Continue Lendo
Você já deve ter participado de uma dessas rodinhas de violão em que algum camarada seu toca “Stairway to Heaven”, “Pais e Filhos”, “Patience”, “Maluco Beleza” ou qualquer outra música pra lá de batida, e toda a galera (a essa altura do campeonato pra lá de manguaçada) canta desajeitadamente em uníssono, acendendo isqueiros enquanto paqueras se desenrolam e a lua tapa os ouvidos com tamanha desafinação. Até aí, tudo zen. Mas o que dizer quando esses mesmos cantores de rodinhas de amigos tornam-se os campeões de vendas da indústria fonográfica brasileira?
O cantor mineiro Emmerson Nogueira vendeu mais de 700 mil cópias dos quatro álbuns que gravou pela Sony Music até hoje. Detalhe: nenhum deles possui qualquer composição própria e um ainda foi gravado ao vivo. Seu repertório? Regravações de sucessos conhecidos do pop/rock internacional em versões acústicas. Ou, como afirmam seus produtores, “com cara de barzinho”. É uma fórmula sem erros: ao regravar músicas conhecidas de bandas e cantores como Pink Floyd, Extreme, Eric Clapton, Oasis e Janis Joplin, com arranjos apurados e fiéis às versões originais, Nogueira montou um repertório apinhado de sucessos. O resultado: sucesso comercial garantido. Quem pensa que ele poderia se incomodar com o fato de fazer sucesso às custas de composições alheias engana-se. Em entrevista concedida ao site Universo Musical, Emmerson declara: “A cada dia lembro de uma música que poderia ter gravado. É algo que ainda quero fazer por muito tempo”. Continue Lendo
Hoje um dos maiores compositores de toda a história da MPB, o carioca Lamartine de Azeredo Babo, faria 100 anos. Prazer em conhecer? Não seja blasfemo, pequeno gafanhoto! Você certamente já cantarolou alguma das músicas de mestre Lalá, como a junina “Chegou a Hora da Fogueira” (Chegou a hora da fogueira/ É noite de São João/ O céu fica todo iluminado/ Fica o céu todo estrelado/ Pintadinho de balão), a tropicalista avant la lettre “História do Brasil” (Quem foi que inventou o Brasil?/ Foi seu Cabral/ No dia 21 de abril/ Dois meses depois do Carnaval), as sertanejas “No Rancho Fundo” e “Serra da Boa Esperança” (Nós os poetas erramos/ Porque rimamos também/ Os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem) ou as marchas carnavalescas “O Teu Cabelo Não Nega” e “Linda Morena” (Teu coração é uma espécie/ De pensão familiar/ À beira-mar/ Ó moreninha/ Não alugues tudo, não/ Deixa ao menos o porão/ Pra eu morar).
Inventivo e irreverente, a influência de Lamartine Babo não se restringe à MPB: cronistas e humoristas como Stanislaw Ponte Preta e José Simão possuem enorme dívida para com essa figura sui generis, expert em criar trocadilhos e compor melodias de grande beleza. De quebra, é o compositor dos hinos dos maiores clubes de futebol do Rio de Janeiro (embora Lalá confessasse um carinho especial pelo hino do América, seu time de coração). Ou seja, realmente todo brasileiro conhece ao menos um verso de Lamartine.
Uma vez que todo blog posta uma letra de música ao menos uma vez em sua existência, aproveito o ensejo para publicar os versos da nonsense “Canção Para Inglês Ver”, obra-prima do esculhacho tropical que rima termos em inglês, francês e português. Em tempos de globalização e reciprocidade pra gringo ver, não poderia haver letra mais adequada.
I love you, forget iskaine
Maine Itapiru
Forget five Underwood
I shell
No bonde Silva Manuel
I love you to have Steven Via Catumby
Independence lá do Paraguai
Studebaker, Jaceguai!
Oh yes, my glass
Salada de alface
Fly Tox my till
Oh Standard Oil
Forget not me!
I love you
Abacaxi, uísque of chuchu
Malacacheta Independence Day
No street-flesh me estrepei…
Elixir de inhame
Reclame de andaime
Mon Paris je t’aime
Sorvete de creme
Oh yes my very goodnight
Double fight, isso parece uma canção do oeste
Coisas horríveis lá do far-west
Do Tomas Veiga com manteiga!
My sanduíche, eu nunca fui Paulo Escriche
Meu nome é Lasky and Claud
John Philip Canaud
Light and Power
Companhia Limitada…
I… You!
The boy scout avec boi zebu
Lawrence Tibbett com feijão tchu tchu
Trem de cozinha não é trem azul!
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Uma frase:
“Bem-aventurados os caolhos, porque só vêem a metade da maldade”.
(Rogério Sganzerla, cineasta falecido ontem aos 57 anos, diretor de filmes como “O Bandido da Luz Vermelha” e “Nem Tudo é Verdade”.)