As músicas que fazem a gente chorar até pelo chifre que não levamos
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Um dia ainda hei de botar no papel minha teoria a respeito da capacidade única que a música sertaneja possui de prover a trilha sonora para corações combalidos em busca de catarse. E ainda possuo a convicção de que um dia Zezé di Camargo terá o mesmo status cult merecidamente conquistado por Roberto Carlos: poucos compositores na MPB possuem a mesma capacidade de, sem necessitar recorrer a maiores firulas metafóricas, conseguir traduzir musicalmente todas as alegrias, dores e angústias que o tal do Amor nos faz sentir.
Enquanto não redijo minha tese sobre os fragmentos do discurso amoroso nas canções de Zezé Di Camargo & Luciano, a entrevista que concedi a Eva Uviedo, para o site da revista Trip, já adianta algumas das minhas observações sobre este gênero musical injustamente subvalorizado. Em tempo: recomendo que ela seja lida ao som do playlist com meu Top 10 Sertanejas. :)
Você ouve música sertaneja regularmente em casa? Sua namorada também gosta?
Ouço música sertaneja com a mesma frequência e prazer com que ouço jazz, MPB, power pop ou chill out. Minha namorada, por outro lado, abomina música sertaneja e só releva os momentos em que ouço Zezé di Camargo & Luciano ou Bruno & Marrone porque é apaixonada por mim. E, como todos devem saber, é só por amor que a gente é capaz de deixar passar uma e outra diferença referente a gostos pessoais, idiossincrasias musicais ou torcidas de futebol.
De onde veio esse gosto? Influência da família, ouvia na infância, ou foi depois de adulto?
Meus pais nasceram no interior de São Paulo, e ainda tenho muitos parentes que moram em cidades como Marília, Bauru e Inúbia Paulista. Mas, quando eu era criança e mais imaturo, refutava músicas sertanejas, da mesma maneira que torcia o nariz para qualquer coisa de Roberto Carlos: era tudo brega pra mim.
Foi lá pelos 16 ou 17 anos que comecei a reparar nos causos engenhosos da música de raiz de duplas como Tonico & Tinoco e Tião Carreiro & Pardinho, e me tornei fã daquelas histórias dramaticamente rimadas em clássicos como “Chico Mineiro” e “Couro de Boi”.
Quanto à música sertaneja romântica que invadiu as rádios nos anos 90, ela tinha passado completamente batida por mim até que meu primeiro namoro sério subiu no telhado, em idos de 99. Foi naquele momento de fossa absoluta, prostrado na cama do meu quarto e olhando para o teto branco com o desalento dos meditabundos de amor, que prestei atenção pela primeira vez nas músicas de Zezé di Camargo e constatei o valor daquelas músicas de pé na bunda cujos versos descreviam exatamente as coisas que se passavam no meu peito. De lá para cá, nunca mais deixei de ouvir sertanejo.
Quais suas duplas favoritas? E as que não gosta de jeito nenhum?
Não dá pra não citar as duplas clássicas do sertanejo de raiz, como Tonico & Tinoco, Alvarenga & Ranchinho, Zé Carreiro & Carreirinho e Tião Carreiro & Pardinho. Do sertanejo mais moderno, que recorre a guitarras elétricas e versos mela-cueca, sou fã de Zezé di Camargo & Luciano, Bruno & Marrone e Chitãozinho & Xororó. Mas confesso que parei nessa primeira geração de duplas sertanejas revelada nos anos 90. Já ouvi várias músicas do chamado sertanejo universitário, gravadas por nomes como Victor & Leo e Luan Santana. Nada que me chamasse a atenção, do mesmo modo que ignoro solenemente todos esses grupos de rock brasileiro mainstream da atualidade, como NX Zero ou Restart.
Tem algum momento ou situação especial para ouvir?
Como já passei da fase de dores de cotovelo, hoje posso dizer que ouço música sertaneja em qualquer momento. Seja numa manhã ensolarada ou numa noite insone, boto meus playlists de sertanejo no Winamp a qualquer hora do dia.
Sofre algum tipo de estranhamento das pessoas quando sabem que você gosta de sertanejo?
Já virou clichê ouvir pessoas comentando que não entendem como um cara supostamente inteligente feito eu aprecia esse gênero musical. Normal. Compreendo perfeitamente quem não gosta dos vibratos ou das vozes anasaladas típicas de duplas sertanejas. Não tem de tudo neste mundo, inclusive gente que não gosta de Billie Holiday, Big Star ou Soda Stereo?
Você acha que hoje em dia é mais aceitável gostar do gênero do que anos atrás?
Sim, sem dúvida. Creio que o sucesso do filme Dois Filhos de Francisco foi fundamental para que as “classes pensantes” encarassem o gênero sertanejo com outros olhos e ouvidos. A regravação sensacional que Maria Bethânia fez de “É o Amor” também ajudou a romper barreiras, de modo similar ao que seu irmão Caetano havia feito ao regravar composições maravilhosas de nomes como Odair José e Peninha. Além disso, a popularização da música country e a onda de bandas “universitárias” fez com que a molecada dos grandes centros urbanos descobrisse, ainda que de maneiras meio tortas, o valor de gêneros mais populares como sertanejo e forró.
Mas é bom lembrar que, nos anos 70, Elis Regina gravou “Romaria”, um clássico da música caipira composto por Renato Teixeira. E Milton Nascimento, nos anos 80, participou de um álbum com Pena Branca & Xavantinho.
A moda do karaokê pode ter contribuído para esse “resgate”? Ou algum filme, novela?
Produtos de massa como filmes e novelas sempre dão um empurrão decisivo para a valorização de algum artista ou gênero musical. Karaokês não chegam a tanto, mas não dá pra negar que certas músicas sertanejas nasceram para serem cantadas em altos brados nesses ambientes. É totalmente catártico subir num palco, pegar o microfone e se esgoelar num karaokê. Porque, pô, expor-se em público ao cantar versos como “Eu te quero mais que tudo/ Eu preciso do seu beijo/ Eu entrego a minha vida/ Pra você fazer o que quiser de mim/ Só quero ouvir você dizer que sim” vale por dezenas de sessões de terapia.
Quais são as músicas que tocam fundo ao seu coração?
Respondo em forma de Top 10, citando tanto os clássicos da viola como as músicas românticas que fazem a gente chorar até pelo chifre que não levamos:
- ”Evidências” (Chitãozinho & Xororó);
- ”Você Vai Ver” (Zezé di Camargo & Luciano);
- ”Tocando em Frente” (Renato Teixeira);
- ”Indiferença” (Zezé di Camargo & Luciano);
- ”Pé de Ipê” (Tonico & Tinoco);
- ”Tristeza do Jeca” (Tonico & Tinoco);
- ”Eu Juro” (Leandro & Leonardo);
- ”Quando um Grande Amor Se Faz” (Cleiton & Camargo);
- ”Alô” (Chitãozinho & Xororó);
- ”Couro de Boi” (Tião Carreiro & Pardinho).
Citaria algum verso que julgue particularmente inspirado ou que não deixe devendo nada ao melhor da MPB?
Não dá pra não deixar de citar as narrativas engenhosas em formato de música sertaneja, de canções como “Tristeza do Jeca”, “Chico Mineiro” e “O Menino da Porteira”. E os lamentos de amor que renderam jóias como “Pé de Ipê”.
Mesmo nos clássicos da dor de cotovelo, dá pra pinçar versos inspirados. “É o Amor”, por exemplo, merece toda a popularidade que obteve; guardando as óbvias proporções, é o equivalente aos sonetos de Camões para a música sertaneja. Em “Ainda Ontem Chorei de Saudade”, composição de Moacyr Franco gravada por João Mineiro & Marciano, destaco este verso: “Melhor sonhar na verdade que amar na mentira”.
Mas o grande poeta da música sertaneja é Renato Teixeira. Vide “O Violeiro Toca”, parceria dele com Almir Sater, de versos como estes: “Quando uma estrela cai/ Na escuridão da noite/ E um violeiro toca suas mágoas/ Então os olhos dos bichos/ Vão ficando iluminados/ Rebrilham neles estrelas/ De um sertão enluarado”. Ou “Tocando em Frente”, outra parceria inspirada com o Almir: “Ando devagar porque já tive pressa/ E levo este sorriso porque já chorei demais”.
* * * * *
P.S.: Escrevi o texto de apresentação de Mirian Bottan, Trip Girl de outubro. A revista já está nas bancas; de qualquer modo, o texto também já foi disponibilizado no site da Trip.
Alexandre Inagaki
Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.
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