Animal de Estimação
Por Arnaldo Branco ≈ segunda-feira, 02 de maio de 2016
“Quanto mais conheço as pessoas, mais gosto dos animais” - essa frase clichê dos niilistas de facebook podia servir de dístico para Animal de Estimação, de Terêncio Porto. Afinal, seu livro é sobre seres humanos sendo demasiadamente humanos e animais de estimação tendo que conviver com essas criaturas frágeis e contraditórias.
A trama - na verdade um recorte de tempo na vida dos personagens, aparentemente “escolhido” para ressaltar a banalidade de seu transcorrer - é narrada por Miguel, um cool hunter completamente inteirado da estupidez de sua função, que aproveita o cargo como posto de observação da hipocrisia reinante no ambiente corporativo (e que se estende às happy hours) e por Paloma, a veterinária que cuida de Mostarda, a gata de Miguel, e que também está com a vida em ponto morto, presa a uma rotina entre a clínica e taças de vinho com amigas superficiais.
Ambos prescrutam o seu entorno com olhos de juiz, e também são vítimas de suas sentenças: afinal, se rendem a seu cotidiano insatisfatório apesar de ensaiarem planos de fuga; são agentes passivos de seu ritual de existência. As únicas mudanças de percurso são determinadas por lances do acaso: doenças, acidentes, gravidez indesejada. Suas trajetórias vão se cruzar até o incidente que fará a vida de Miguel mudar para sempre - e a de Paloma, entrar nos eixos (se tal coisa existe).
Animal de Estimação é o segundo livro de Terêncio. O primeiro - Só, Atrás do Ouro - já mostrava as qualidades que o escritor aperfeiçoa aqui: o excelente poder de observação que nos faz reconhecer em pessoas de nossa convivência as características que Miguel e Paloma observam nos personagens que os cercam. Também como no outro livro, o Rio de Janeiro está magnificamente pintado em suas páginas - não o Rio do cartão postal, mas o interno e feio Rio de Janeiro de relações vazias, da falta de compromisso, do tráfico de influência, do star system caído.
A prosa de Terêncio flui muito bem, tem a velocidade do pensamento mas o rigor de suas escolhas acertadas. Totalmente recomendável, palavra de um dono de cachorro.

Arnaldo Branco
Arnaldo Branco, 44, não sabe desenhar e é cartunista; se formou na secretaria para não ser jubilado e é jornalista; não faz ideia do que seja um beat e é roteirista; não sabe por qual lado da câmera se filma e é diretor.
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