Alex Chilton (1950 - 2010)

Por Alexandre Inagakiquinta-feira, 18 de março de 2010

Há músicas que devem ser ouvidas como quem se entrega a um beijo e se deixa levar: de olhos fechados. Há certas canções que possuem o dom de me fazer viajar longe, na sala escura da imaginação, enquanto o projetor da minha mente exibe um videoclipe composto por associações inusitadas e memórias que subitamente retornam, feito madeleines musicais, resgatadas por certas melodias, riffs e acordes que reverberam momentos do passado que fizeram ser o cara que sou agora, com todos os meus erros, tentativas e acertos.

Alex Chilton, um dos grandes responsáveis pela trilha sonora da minha vida, iniciou carreira musical ainda adolescente, como vocalista do grupo The Box Tops, emplacando sucessos como “The Letter”, de 1967 (uma versão em português, feita por Ritchie, foi gravada em 1983).

Não demorou para que Alex amargasse suas primeiras decepções com a indústria musical. Insatisfeito com os mandos e desmandos da gravadora e do produtor dos Box Tops, que pressionavam por novos sucessos radiofônicos, Chilton saiu do grupo para dedicar-se a projetos que tivessem mais a sua cara. Aceitou o convite para fazer parte do trio Icewater, da qual fazia parte seu amigo Chris Bell. Tornado um quarteto, a banda acabou mudando de nome; e eis que surgiu o Big Star.

A banda lançou seu primeiro disco em 1972: #1 Record, que mescla baladas melancolicamente iluminadas como “The Ballad of El Goodo” com rocks clássicos como “In the Street” (que ficou depois notabilizada por ser a música-tema do seriado That 70′s Show). O álbum, embora tenha sido fartamente elogiado pela crítica, foi um fracasso de vendas. Dentre outras coisas, porque o selo que lançou #1 Record, a Stax Records, não possuía um bom esquema de distribuição. Uma sina que prosseguiu após o lançamento do segundo álbum, Radio City, em 1974.

Mais uma vez, apesar de apresentar canções geniais como “September Gurls”, música que ouço no repeat sempre que meus ouvidos precisam de um alento, o Big Star não obteve o sucesso merecido. Sem divulgação e sem distribuição decentes, Radio City não vendeu mais do que 20 mil cópias na época, apesar da crítica ter sido mais uma vez unânime em afirmar que se tratava de um baita álbum. O Big Star, que já não contava com Chris Bell (falecido em um acidente automobilístico em 1978, aos 27 anos de idade) em sua formação, não aguentou a barra de mais um fracasso comercial.

A banda acabou por se desfazer, deixou como derradeiro legado um terceiro álbum, Third/Sister Lovers. Gravado no fim de 1974, só foi lançado oficialmente em 1978, após o relançamento dos dois primeiros discos do Big Star na Inglaterra, graças à repercussão positiva da redescoberta tardia do quanto o grupo era bom. Foi considerado em 2000 o álbum mais triste de todos os tempos pelos editores da New Musical Express, graças à beleza mesmerizante de faixas como “Kangaroo” e “Big Black Car”. Mas, como bem pontuou Marcelo Orozco em texto para o Scream & Yell, Third/Sister Lovers também contém gravações mais calorosas como “Take Care”, em um álbum que, citando as palavras de Orozco, “já basta como prova do que se pode fazer quando há paixão por qualquer coisa ou por tudo, mesmo quando parece que tudo trabalha contra.”

O legado de Alex Chilton, que faleceu ontem aos 59 anos de idade, não se limita às suas canções e composições. À frente do Big Star, foi um dos mentores do power pop. Suas gravações influenciaram decisivamente bandas e músicos do naipe de R.E.M., Buffalo Tom, Teenage Fanclub, Jeff Buckley e Wilco. Um documentário, “Nothing Can Hurt Me”, resgatando todo o legado deixado pelo Big Star está pra ser lançado. E torço para que esse cara receba todo o reconhecimento, ainda que tardio, que fez por merecer.

Obrigado, Alex.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • Pingback: As músicas que fazem a gente chorar até pelo chifre que não levamos | Pensar Enlouquece, Pense Nisso

  • http://jogos.redelusa.com/index.php?cat=1 Marco

    Conheço alguns destas musicas não não sabia de quem eram. gostei muito do que li, excelente blog…

  • http://creditos-online.blogs.sapo.pt/1806.html José

    Que bom relembrar essas musicas…

  • http://www.choppkremer.com.br chopp

    adorei as bandas tambem não conhecia , esses fenomenos muito legal , quero te dar os parabens pelo blog você tem estilo…
    …bjs

    cintia

    R: Muito obrigado pelos comentários, Cintia. Um abraço!

  • Gustavo

    Perfeito. Você só esqueceu de citar a influência sobre The Replacements, de Paul Westerberg, uma das maiores bandas alternativas de todos os tempos - que, como boa banda alternativa, é desconhecida do grande público. Os Mats, como são conhecidos, tem, até, uma música chamada “Alex Chilton”, do álbum “Pleased to meet me”, além de algumas músicas produzidas por Chilton.

    R: Excelente lembrança, Gustavo! Vale a pena inclusive embedar a música dos Replacements aqui.

  • http://anndixson.blogspot.com Adriana Karnal

    Puxa, Inagaki, eu não conhecia a banda…mas acho q conheço a música do “That 70´s”…sei q vc tem bom gosto musical, etão deve ter sido mesmo uma perda para o tão complexo mercado musical.

    R: Adriana, não à toa fiz questão de publicar vídeos das minhas músicas prediletas do Big Star neste post. Quem não conhece precisa conhecer.

  • Andreza C. Ostia

    Olá
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  • http://www.sojogosgratis.com.br Dimitri

    Certamente, esse cara vai deixar saudades…

  • Fernando Passuelo

    Alexandre, sempre curti o Big Star e um pouco da melancolia deles. Conheci através de amigos um pouco mais velhos que compartilhavam (e ainda compartilham)comigo descobertas musicais cuja sonoridade nos faz “viajar”. Hoje tb graças a web temos acesso a artistas e obras que passam ao largo da grande mídia e, qdo estouram, ficamos sabendo que já estão na estrada há algum tempo (Pomplamoose, p.ex.). Vida longa a boa música!!!

    R: Fernando, vivemos tempos privilegiados. Hoje a web traz em tempo real bandas que, nos anos 80, a gente conseguiria ouvir falar por matérias na Bizz ou na Ilustrada. A música, mesmo, só na base da sorte e de um amigo que morasse no exterior… B)

  • Alaide

    Não conhecia as duas bandas, e caramba, gostei bastante. Valeu Alexandre!

    R: Alaide, bom saber que você gostou das minhas indicações musicais. Um abraço!

  • http://incautosdoontem.opsblog.org/ Ulisses Adirt

    Sabe, Ina, sempre me sinto mal/triste qdo escrevo sobre alguém q se foi. Já qdo leio um epitáfio q vc escreve, saio sorrindo. Obrigado.

    R: Ulisses, quando a gente fica sabendo de que um ídolo nosso se foi, creio que o mínimo que podemos fazer é agradecer pelo legado que ele nos deixou, fazendo com que mais pessoas tomem conhecimento das coisas bacanas que ele produziu por aqui. Valeu pelo comentário, um abraço!

  • http://mariosergio.blogspot.com/ mario sergio

    nao conhecia, bacana a dica

  • http://carlosguitar.com.br Carlos Guitar

    Olá amigo !
    Que boa e breve leitura sobre as musicalhas que fizeram (e fazem) parte de nossa história por aqui. É sempre muito bom passar por aqui e encontrar tudo que gostaria de ler !
    Abração meurmaum….sucesso !

    R: Pois é Carlos, vejo que você também faz parte da confraria de pessoas que não vivem sem uma boa trilha sonora. B) Um abraço!

  • http://mundoporlibre.com Asun y Ricardo

    Olá amigo:
    Parabéns pela sua nomeação no The BOBs, o meu blog: http://mundoporlibre.com ( La Vuelta al Mundo de Asun y Ricardo ) também foi indicado como o Melhor Weblog em espanhol.
    Você tem um blog muito interessante, eu votei.
    Se você quiser ver a mina em sua língua, na primeira página eu próprio tradutor automático do Google.
    Obrigado e boa sorte.

    R: Caros Asun e Ricardo, obrigado pela visita! O mais bacana do The BOBs, além do reconhecimento, é a oportunidade de conhecer blogs novos em diversos idiomas. Um abraço, muchas gracias pela visita e boa sorte a vocês também. :D

  • http://golesnacos.blogspot.com Joana

    é incrível como histórias assim se repetem ao longo dos anos… pressão de gravadoras, sucesso de crítica x vendas, reconhecimento (somente) pós morten… será que um dia a gente vai aprender?

    R: Joana, posso dizer que a internet tem sido fundamental pra que eu conheça sons bacanas sem precisar da intermediação de gravadoras. Graças à Web, por exemplo, é que conheci o Big Star. Posso dizer que este post foi uma pequena retribuição; blogs servem também pra isso, compartilhar coisas legais que descobrimos por aí. :D

  • EDU

    UM DOS MAIORES DESDE SEMPRE.
    dep ALEX

  • http://www.ubervu.com/conversations/pensarenlouquece.com/2010/03/18/alex_chilton_1950_2010/ uberVU - social comments

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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