5 Frações de uma Quase História

Por Alexandre Inagakiquarta-feira, 14 de maio de 2008

Filmes em episódios são uma tradição do cinema contemporâneo que, curiosamente, não chegou a vingar aqui no Brasil, um país repleto de contistas e cineastas que se destacaram mundialmente pela qualidade de seus curtas-metragens (vide Ilha das Flores de Jorge Furtado e Couro de Gato de Joaquim Pedro de Andrade, ambos selecionados na lista dos 100 curtas mais importantes da história do cinema segundo o festival de Clermont-Ferrand). E, embora os resultados obtidos por essa estrutura de filme costumem ser naturalmente irregulares, por conta da diversidade de diretores e roteiristas envolvidos nesse tipo de empreitada coletiva, quase sempre o cinéfilo é premiado com um bom resultado final.

Recordo obras como Histórias Extraordinárias (adaptações de contos de Edgar Allan Poe assinadas por Louis Malle, Federico Fellini e Roger Vadim), Boccaccio 70 (do quarteto Luchino Visconti, Federico Fellini, Mario Monicelli e Vittorio di Sica), Os Novos Monstros (comédia em nove episódios dirigidos por Mario Monicelli, Dino Risi e Ettore Scola) e os mais recentes Cada um Com Seu Cinema (33 episódios de diretores de todo o mundo homenageando o cinema e o Festival de Cannes) e o adorável Paris, Eu Te Amo (18 episódios dirigidos por nomes do quilate de Olivier Assayas, Alexander Payne e os irmãos Coen) para atestar o que digo.

5 Frações de uma Quase História, primeiro longa-metragem realizado pela produtora mineira Camisa Listrada, entra com méritos nesta galeria de bons filmes divididos em episódios. A começar, pelo alento que é ver retratada nas telas Belo Horizonte, uma cidade poucas vezes retratada pelo cinema brasileiro. São seis diretores narrando (como o título do filme já entrega) cinco episódios habilmente amarrados nas transições entre cada história e no modo como os personagens de uma e outra trama se entrecruzam, tangenciando seus pequenos grandes dramas, desenredos, solidões, angústias e dilemas, criando uma unidade narrativa apesar da heterogeneidade de visões.

Dentre os cinco episódios de 5 Frações, há vários destaques que merecem ser feitos. Por exemplo, o modo como a obsessão do fotógrafo Carlos (Leonardo Medeiros) por pés (ao melhor estilo Alex Castro) é exibida pela câmera, que parece compartilhar, através de seus enquadramentos, o fetiche do personagem. A presença carismática de Jece Valadão, no episódio “A Liberdade de Akim”, fazendo jus às melhores atuações de sua carreira, em filmes como Os Cafajestes, Boca de Ouro e Rio 40 Graus. A direção de arte, merecidamente premiada no Festival Cine-PE. E o bom-humor do episódio que encerra o filme, “ZYR 145″, no qual a aparentemente frágil mocinha interpretada por Cynthia Falabella surpreende o conquistador barato vivido por Murilo Grossi (em impagável caracterização).

É uma pena que, em tempos nos quais blockbusters hollywoodianos como Homem de Ferro e Speed Racer invadem de assalto as salas de cinema brasileiras com centenas de cópias, um filme da qualidade de 5 Frações de uma Quase História, produzido e dirigido por uma nova geração de cineastas brasileiros, encontre dificuldades para se destacar e ganhar espaço na mídia em meio às superproduções massificadas de sempre. Deixo aqui, porém, a recomendação: 5 Frações já está em cartaz nas cidades de São Paulo e Brasília, e estreará dia 16 no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Não deixe passar a chance de variar o seu cardápio cinematográfico e conferir esta bela produção vinda de Minas Gerais.

* * * * *

P.S.: Dos poucos filmes brasileiros em episódios que conheço, o melhor deles talvez seja Contos Eróticos. São quatro episódios que adaptaram histórias vencedores do Concurso Status de Literatura Erótica Brasileira que era promovido anualmente pela finada revista Status. Para quem desconhece a história, a Status foi uma publicação de altíssima qualidade voltada para o público masculino, que circulou no final dos anos 70, antes da chegada da revista Playboy ao Brasil. Um dos pontos altos da revista, que conheci fuçando alguns exemplares que meu pai guardava debaixo da cama, era a sua seção fixa dedicada a contos. Philip Roth, Ray Bradbury e Julio Cortázar foram alguns dos autores publicados pela Status.

Outro destaque era o seu concurso anual de contos eróticos. Para que vocês tenham uma idéia do nível de qualidade dos concorrentes, o vencedor da primeira edição, promovida em 1976, foi Dalton Trevisan com o conto “Mister Curitiba”. Na terceira edição, em 1978, o primeiro lugar ficou com “O Cobrador”, de Rubem Fonseca. Já em 1977, o melhor conto foi “Vegetal”, de Luis Fernando Emediato, singela história sobre um homem cuja tara era manter relações sexuais com… frutas. O genial cartaz ao lado foi obviamente inspirado por esse conto, magistralmente adaptado por Joaquim Pedro de Andrade em um dos episódios do filme, rebatizado como “Vereda Tropical”, que deu um novo sentido para a palavra “vegetariano”. Contos Eróticos volta e meia é exibido no Canal Brasil. Fique atento!

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • http://37713910 isabella

    que gosto de ri pq é bo´m pra saude

  • http://www.semreligiao.com.br Dani

    Essa imagem do Contos Eroticos… muito bem elaborada…

  • léo

    olá Alexandre
    que bacana, um filme com locação em BH.
    o que adoro em séries e filmes americanos e´a busca de locações que fujam da eterna NY ou Los Angeles, coisa qu não aocntece or aqui.
    Tudo ainda fica muito em São Paulo; Rio, global; ou uma cidade nordestina esquecida, que são sempre iguais.
    Sei que o exemplo não e´dos melhores, mais.
    abs

  • http://anacranes.wordpress.com Ana Cranes

    Eu não curti “Paris, Te Amo” os demais citados eu não conheço, mas vou guardar o post para procura-los!

  • http://sabineas.com/blog Sabine

    Assisti 5 frações na sua primeira exibição ao público, no Cine PE do ano passado. O teatro por pouco não atingiu sua lotação máxima e ao final do filme o público aplaudiu de pé e intensamente.
    Aqui gostamos muito de cinema nacional..
    ;)

    Outro filme que fez bastante sucesso naquela edição foi Cão sem Dono, melhor ainda do que Não por acaso (a presença do Santoro no recinto quase leva o teatro abaixo. Um pavor! rsrs).
    Quando puder, assista-o. Creio que não vai se arrepender.

    R: Sabine, eu vi “Cão Sem Dono” e escrevi depois uma resenha para a Rolling Stone sobre o filme, que republiquei posteriormente neste post. ;)

  • http://culturanordestina.blogspot.com/ Marcos França

    Prezado, primeiramente queria reverenciá-lo pelo ótimo Blog. Gostaria de saber se o meu blog (http://culturanordestina.blogspot.com)poderia fazer parte desta rica seleção de links que se encontra no seu? Trata-se de um blog voltado a divulgar os diversos ramos de nossa cultura popular nordestina. De antemão já agradeço a atenção. Aguardo retorno. Obrigado.

    R: Marcos, valeu pela dica do blog. Eu usualmente ignoro comentários que pedem links, uma vez que eles são dados naturalmente toda vez que encontro um bom blog, e como já escreveu o Cardoso, “link não é esmola”. Mas foi uma boa surpresa conhecer o Cultura Nordestina. Um abraço.

  • http://attu.typepad.com/universo_anarquico/ tina oiticica harris

    Estarei de olho nas frutas. O problema da Sessão Brasil é o horário e o Saturday Night Live. Ficarei de olho. “A vida é boa e cheia de possibilidades.” Repeat after me. Valeu, Alexandre Inagaki.

  • http://metamorfosepensante.wordpress.com _Maga

    Fiquei com vontade de ver este filme, afinal, depois de ter passado três intensos meses morando em BH o meu carinho pela cidade ficou imenso…
    Além disso, a tua descrição me deixou bastante motivada a ver o filme. Sobre filmes brasileiros, uma coisa que gosto de ver são os festivais de cinema que acontecem em todo o país mostrando curtas dos mais diversos estilos e mostrando um gênero para o qual não prestamos muita atenção e que é simplesmente delicioso!
    Um grande abraço
    ps.: coincidência, hoje pela manhã estava pensando no “Ilha das Flores”… rs

  • http://www.provocacaocultural.blogspot.com Dias Miranda

    Pois sim, um amigo indicou-me teu blog, sou escritor, de São Luis-Ma. Li e gostei. Tenho também um blog, tímido ainda. Poucas coisas, uns textos que tinha guardado, uns contos e uma carta. Se puder, e tiver tempo, dê uma olhadinha lá. Um abraço.

    R: Valeu pela visita, Dias. Diga-se de passagem, concordo plenamente com o que você escreveu em um de seus posts: “Escrever é uma arte que me deixa muito cansado”. Um abraço e boa sorte com o seu blog!

  • http://www.anotherguardian.blogspot.com/ Guardião

    Essa você foi buscar no fundo do bau.

    Eu li isso também, mas as revistas eram minhas.

    E não, eu não vi a extinção dos dinossauros.

  • http://filmesdatv.com João

    Tomara que esse filme venha pra Recife!!

  • Marcia Midori

    Já viu o filme porno-frutal taiwanês “O sabor da melancia”? Até hoje, é a película mais bizarra que eu já vi. Algumas cenas podem trazer desconforto,o que não deixa de ser interessante.

    R: Marcia, já ouvi falar bastante desse filme, mas ainda não o assisti. De qualquer modo, não creio que seja mais “bizarro” e desconfortável do que “Saló ou os 120 Dias de Sodoma” do Pasolini.

  • http://prasemprepitchula.blogspot.com Silvia

    Odeio certos posts… Eu me lembrei da revista Status, isso significa que vc me lembrou que estou ficando velha, RSSSS

    R: Queisso, Silvia! Velha não, experiente! :P

  • http://nodoadouniverso.wordpress.com Bruno Pedrassani

    Cara, parece bom mesmo! Certamente não vem pra nenhum cinema de Curitiba… Uma pena!

  • http://www.escrevalolaescreva.blogspot.com Lola Aronovich

    Uma pena mesmo que no Brasil praticamente todas as salas estejam passando dois filmes. Aqui nos EUA também é assim. Não sei, às vezes penso que os filmes menos conhecidos não deveriam nem tentar concorrer com os blockbusters americanos. Por exemplo, os quatro primeiros meses do ano foram um marasmo. No Brasil ainda havia os concorrentes e vencedores do Oscar, mas, nos EUA, só o “Dr. Norton e o Mundo dos Quem” conseguiu arrecadar mais de 100 milhões na bilheteria (não que isso seja indicador de qualidade, óbvio, mas reflete como houve poucos filmes americanos que chamaram a atenção nesses meses). Setembro a novembro é outro deserto. Não seria o caso de um filme brasileiro ser lançado nesse período? Concorrer com Hollywood na temporada do verão americano é suicídio. Vou ver “5 Frações” quando voltar praí, no final de julho (em dvd?).

  • http://www.palavrazzi.com Palavrazzi

    Muito bom este post.

  • http://www.verbeat.org/blogs/bereteando tiagón

    erm, olhando de novo, parece um misto de abacate com melancia? medo! :D

  • http://www.verbeat.org/blogs/bereteando tiagón

    o cartaz da melancia é fantástico! :D

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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