Cicarelli x YouTube, uma história nada edificante
Por Alexandre Inagaki ≈ terça-feira, 09 de janeiro de 2007
Publico textos na Internet desde 1998. Por conseqüência, acompanho o que acontece na rede há quase dez anos. Sou obrigado, pois, a recorrer às imortais palavras daquele episódio do Pica-Pau para afirmar que, em todos esses anos nesta indústria vital, eu nunca vi uma atitude tão estúpida na Web tupiniquim como a emissão da ordem judicial bloqueando o YouTube no Brasil.
Há quem afirme que todo esse imbróglio jurídico foi feito com o intuito de divulgar o nome de Daniela Cicarelli na mídia. Bem, se o objetivo era esse, foi cumprido de forma exemplarmente asinina. Não consigo imaginar, sinceramente, que empresa desejará aliar sua marca à imagem da personalidade mais odiada na Internet brasileira desde este patético episódio de censura. Qualquer visitante dos blogs da MTV Brasil, onde a ex-esposa de Ronaldo apresenta o programa Beija Sapo, constata que todos os comentários recentemente postados tecem palavras nem um pouco abonadoras sobre o caráter da moçoila em questão. E será mera coincidência o fato de os telefones do Serviço de Atendimento ao Cliente da Hope (0800-550018 e, em São Paulo, 2169-2200), marca de lingerie da qual Daniela é garota-propaganda, não estarem funcionando neste exato instante?
E assim, graças a uma singela indiscrição cometida por Renato Malzoni Filho e sua namoradinha em uma praia na Espanha, milhões de brasileiros ficaram sem acesso ao YouTube. A Terra Brasilis ingressou, com desonras ao mérito, no seleto grupo de países como China, Irã e Coréia do Norte, que praticam censura na Internet. Cumprimento publicamente, pois, a modelo e apresentadora de TV Daniella Cicarelli, o advogado Rubens Decoussau Tilkian, que representa os interesses do casal mais comentado do Brasil, e o desembargador Ênio Santarelli Zuliani, (ir)responsáveis diretos por mais um vexame de escala mundial sofrido por esta intrépida nação varonil. E, ainda que o caríssimo juiz tenha caído em si e ordenado posteriormente o desbloqueio do YouTube, a péssima impressão deixada por este episódio mostra quão frágil é a liberdade de expressão neste país.
Mitch Wagner, colunista do site Information Week, escreveu no texto Analysis Of The Brazilian Supermodel Sex Video Story In One Short Sentence a melhor análise que já encontrei sobre o caso: “Se você não quer que multidões vejam você fazendo sexo, por que fazê-lo em uma praia com outras pessoas ao redor? Ok, não consigo resumir tudo a uma única frase, então eis mais algumas palavras (…) Sites colaborativos como YouTube, MySpace, Blogger e Facebook oferecem inúmeras oportunidades de livre expressão, conexão com outras pessoas, criação de arte e encorajamento de discussões políticas, e não deveriam ser ameaçados por censura - especialmente para proteger os direitos de uma tola supermodel que deveria ter mais noção de seus atos - até porque o vídeo já está em toda a Internet, e censurá-lo no YouTube não fará com que ele pare de ser divulgado pela rede“.
Assino embaixo, em cima e dos lados das palavras de Mitch Wagner, e recomendo fortemente uma visita ao blog Boicote a Cicarelli. Se você quiser “adesivar” sua foto no Orkut ou MSN com um protesto, clique aqui. Você também pode participar desta petição virtual dirigida ao governo brasileiro. Enfim, não espere até que a próxima personalidade da vez ingresse com um pedido na Justiça proibindo não um único site, mas a Internet toda no Brasil. O Cicarelligate deve servir como um precedente para que outras pessoas se conscientizem do pantagruélico tamanho da estupidez que originou este caso.