Hoje não quero mais pensar, e imagino como seria bom estar na pele daqueles hare krishnas que passam o dia inteiro entoando aqueles mantras hipnóticos, hare hare hare hare, esvaziando a cabeça de qualquer manifestação supérflua dos neurônios, esses bichos amaldiçoados que jogam squash na quadra do meu crânio. Ah, que inveja dos cachorros que sorriem como naquela canção do Roberto, arfando com a língua de fora, despreocupados feito velhos hippies emaconhados, pedindo migalhas de brownie em troca de carinho ilimitado, sem aquelas cobranças exasperantes, “você me ama?”, “você me ama?”, maldito mantra dos amantes inseguros. Elos de ligação, chuvas molhadas, monopólios exclusivos, amantes inseguros, minha mente enfileira uma série de redundâncias pleonasticamente repetitivas, e eu sei que tudo não passa de subterfúgio barato para driblar essa saudade que me come por dentro feito um Alien recém-nascido. Mas eu só sei que nada sei, baby.
O café já esfriou, a piada perdeu a graça e as batatas fritas murcharam. A noite está tão quieta que chego a ouvir o ponteiro dos segundos se arrastando no relógio. Ligo a tevê para abafar o barulho do silêncio, recordando com saudade dos tempos em que assistia a comerciais de facas Ginsu e meias Vivarina, nada poderia ser mais eficaz para desligar as tomadas da minha cabeça, bastava sentar na poltrona, relaxar e acionar o screen saver do meu cérebro. Mas agora está passando um filme do Truffaut, e o que menos quero é pensar no delírio consciente da paixão. Continue Lendo
Se eleições são a “festa da democracia”, devo dizer que me senti como um daqueles caras que acabaram de levar um fora da namorada e passam o baile inteiro se embebedando na esperança de anestesiar o nó na garganta da alma.
Não que eu não tenha gostado dos resultados. Até porque esta foi a primeira vez, desde 1989 (quando fui de Covas no primeiro turno e Lula no segundo), que votei em um candidato que venceu as eleições presidenciais. Mas foi uma vitória com um certo (dis)sabor de decepção, pela constatação de que esta foi uma campanha medíocre, que serviu para disseminar acusações passionalmente injustas de ambos os lados. Consegui a façanha, aliás, de bater boca tanto com amigos tucanos quanto petistas. Enquanto os peessedebistas quase chegaram ao ponto de dizer que eu havia me tornado cúmplice dos mensaleiros ao declarar voto em Lula devido aos inegáveis avanços nos campos da educação e distribuição de renda, citando ainda o Prouni, Luz para Todos e o programa da Bioenergia como excelentes projetos tocados por este governo, tive amigos petistas que quase tiveram uma síncope só porque elogiei o governo FHC pela criação da Lei de Responsabilidade Fiscal e pela implantação de um plano econômico que finalmente acabou com a inflação.
Triste do país cujos debates políticos são tomados por uma visão maniqueísta. Por conta disso, torna-se quase utópica a esperança de ver os melhores quadros públicos, independentemente de filiações partidárias, unidos em prol do desenvolvimento deste país, à semelhança de iniciativas como a “Concertación Política” no Chile (citada recentemente pelo Ministro Tarso Genro) ou o histórico Pacto de Moncloa, que congregou em uma mesma mesa presidentes de todos os partidos da Espanha após o fim da ditadura de Franco, e que permitiu à nação européia fomentar seu crescimento e desenvolvimento deixando divergências ideológicas de lado.
Um exemplo sintomático de como os marqueteiros difundiram estereótipos imbecilizantes são as respostas recebidas por Rodrigo Alvares, do blog coletivo A Nova Corja, a uma mesma pergunta feita a militantes do PT e do PSDB.
Para o petista: “Hã, oi. Tu sabe que não pode agitar bandeira tão perto da zona eleitoral, né?”
Petista: “Que o quê. Some da minha frente, ô privatista”.
Atravesso a rua.
Para a tucana: “Hã, oi. Tu sabe que não pode agitar bandeira tão perto da zona eleitoral, né?”
Tucana: “Por que tu não vai reclamar para o Lula, seu mensaleiro de merda?”
Neste cenário, em que proliferaram adesivos com dizeres estúpidos como “o bem sempre vence o mal”, não é de se admirar que eu tenha encontrado gente lamentando a reeleição com termos como “o Brasil não vai agüentar mais quatro anos de Lula” ou, pior, “bem feito, esse povo agora vai tomar na cabeça” (frases verídicas que tive de aturar na última segunda-feira). Por que ainda me espanto com essa torcida do contra, neste clima futebolístico que incitou rivalidades gratuitas e fez com que pessoas usassem termos pejorativos como “petralhas” e “tucanalhas”?
Eu, que já fui chamado de “massa de manobra da direita” e “petista factóide” em diferentes momentos destas eleições, lamento por crer que o Brasil só deixará de ser este eterno país do futuro que nunca chega no dia em que as melhores cabeças desta nação, sejam elas tucanas, petistas, pefelistas, psolistas ou anarquistas, firmarem um pacto em torno do desenvolvimento nacional. Mas é mais provável que este sonho deva ter surgido no meio do sono após o porre que tomei durante a festa dos intolerantes.
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Mudando ligeiramente de assunto, gostaria de fazer um agradecimento público a alguns blogueiros que, não satisfeitos em votarem em Pensar Enlouquece na categoria Melhor Weblog em Português no The BOBs, ainda conclamaram seus leitores a fazerem o mesmo. Meu muito obrigado, pois, a Edney Souza (InterNey), Luciana Naomi (Pensamentos de uma Batata Transgênica), André Julião (Um baiano em Campinas), Susan (De Cara pra Lua), Marcos Donizetti (Me, Myself and I), Idelber Avelar (O Biscoito Fino e a Massa) e Bia Kunze (Garota Sem Fio).