All your memes are belong to us
Por Alexandre Inagaki ≈ terça-feira, 01 de fevereiro de 2005
“De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo”.
Já perdi a conta de quantas vezes encontrei o parágrafo acima em blogs, listas de discussão e e-mails. Mais do que a velocidade com que a mensagem se propagou ou a espantosa quantidade de blogueiros que postaram essa mesma frase, o que me saltou aos olhos foi a relação desse caso com a intrigante teoria dos memes.
Resumindo grosseiramente, memes seriam vírus mentais que se reproduzem feito Gremlins molhados, e que se propagam mundo afora hospedando-se nos cérebros de incautos como eu e você. Segundo o biólogo Richard Dawkins, que cunhou o conceito em seu livro O Gene Egoísta, memes podem ser “músicas, idéias, slogans, modas de roupas, modos de fazer vasos ou de construir arcos”. Uma vez incutidos em nossos cérebros-hospedeiros, são passados adiante através da imitação (o termo é originário da palavra grega “mimeme”, “imitação” em grego).
E assim, nesse processo de “Maria vai com as outras”, febres passageiras (como bambolês e tamagotchis) ou não (contar piadas de elefante, cantar Parabéns Pra Você em festas de aniversário) difundem-se mundo afora, da mesma maneira que músicas infames (de Florentina de Jesus à Egüinha Pocotó), modismos de estação (dança da Macarena, calças semi-bag, piercing no umbigo), lendas urbanas e tudo o mais que possa ser transmitido culturalmente. Agiríamos, pois, como aquele torcedor de estádio de futebol, que vê a multidão se levantando em uma ola e repete o gesto mecanicamente. Ou como o participante de uma flash mob ocorrida na Avenida Paulista que, ao ser indagado sobre o porquê da sua participação, declarou: “foi boa a sensação de estar fazendo parte de alguma coisa, mesmo sem saber pra que ela servia“. Como afirmou Timothy Leary, “memes são conceitos-chave que podem ser perfeitamente manipulados a fim de programar mentes alheias” (alguém aí pensou no slogan da Nova Schin?).
Como não poderia deixar de ser, grande parte dos cientistas sequer reconhece a existência de memes. Pudera: a julgar pelo seu conceito, seres humanos podem ser vistos como autômatos programáveis dentro dos quais idéias, modas e teorias se reproduzem em um embate constante a fim de sobreviverem e serem propagados para as gerações seguintes. Idéias e ideologias, portanto, seriam transmitidos por “contágio”, e não por convicção ou livre arbítrio. Reportagem de Jerônimo Teixeira publicada na edição de setembro de 2003 da revista Superinteressante cita uma afirmação lapidar do filósofo americano Daniel Dannett sobre o tema: “um acadêmico é apenas o meio que uma biblioteca utiliza para produzir outra biblioteca“. Richard Dawkins chegou a afirmar, em seu livro Viruses of the Mind, que as religiões não passam de “complexos de memes co-adaptados” (e você que achava que Diogo Mainardi é polemista).
Esteja correta ou não, é estimulante saber mais a respeito da memética, a disciplina dedicada ao estudo teórico dos memes. Para tanto, vale a pena conhecer os textos de estudiosos como a psicóloga Susan Blackmore, ou simplesmente fazer uma busca no Google (há mais de 2 milhões de sites sobre o assunto). Afinal de contas, haveria terreno mais fértil para a propagação de teorias, fundamentadas ou não, que a Internet?
(texto publicado originalmente em 23.09.2003)