A diferença entre Super-Homem e Clark Kent
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 11 de outubro de 2004
Um dos melhores filmes baseados em HQs é, sem dúvida nenhuma, Super-Homem, dirigido por Richard Donner em 1978. Desse longa-metragem, retive uma cena em especial na memória: quando o Super-Homem recebe a notícia da morte de sua amada Lois Lane em um terremoto. Desesperado, o super-herói voa várias e várias vezes em torno da Terra na direção inversa à sua rotação, cada vez mais rapidamente, até fazer com que o planeta passe a girar em sentido contrário. E assim, por causa de uma mulher (como diz a canção de Gilberto Gil), o Superman consegue fazer com que o tempo recue, trazendo Lois de volta à vida.
Ok, desconte-se o fato de que a História não é como uma fita cassete na qual se pode dar pause, forward ou rewind, manipulando-a cronologicamente ao gosto do freguês. Mas, liberdades científicas à parte, considero belíssima a concepção filosófica por trás dessa seqüência, na qual o Super-Homem joga todo racionalismo para o alto e usa seus poderes com o intuito egoísta (e por isso mesmo extremamente humano) de ressuscitar sua amada.
Hoje de manhã, quando soube da morte de Christopher Reeve (1952 - 2004), não pude deixar de lembrar dessa cena, em contraste com a inexorabilidade da vida. Por coincidência ou sincronicidade, recebi ontem (antes mesmo de sabermos do falecimento de Reeve) um e-mail do meu amigo Paulo E. Miranda sugerindo que eu comentasse neste blog uma fala de Kill Bill 2 na qual o personagem de David Carradine faz a seguinte observação: “o Super-Homem não se transformou em Super-Homem, ele já nasceu assim. Seu alter ego é Clark Kent. O que Clark veste, os óculos e as roupas de trabalho, aquele é o seu uniforme, é o que o Super-Homem usa para misturar-se conosco. Clark Kent é como Superman nos vê. E quais são as suas características? Ele é fraco, inseguro… é um covarde. Clark Kent é a visão que o Super-Homem possui da raça humana”.
Antes de mais nada, vale a pena ressaltar que o diálogo redigido por Quentin Tarantino foi 99% inspirado por uma tese escrita por Jules Feiffer em seu livro “The Great Comic Book Heroes”, publicado em 1965. Não sei se concordo com a fala de Carradine, mas subscrevo na íntegra a bela sacada de Feiffer: não era Clark Kent quem usava o uniforme de Super-Homem, e sim o super-herói quem se fantasiava sob os trajes de um jornalista tímido e medroso. Quanto à suposta visão crítica que o Superman teria sobre a raça humana, duvido sinceramente que esse baluarte da América fosse capaz de ter um olhar tão cínico a nosso respeito, por mais verdadeiro que possa ser.