Artigos do mês de: setembro 2004

Aberta a temporada de caça aos blogs

Por Alexandre Inagakiquinta-feira, 30 de setembro de 2004

Já escrevi, em ocasiões passadas, sobre as ameaças de processo judicial feitas a blogueiros como Alessandra Félix, Edney Souza e Cristiano Dias. Esses imbróglios foram os primeiros indícios de que a visibilidade crescente dos blogs e a liberdade de expressão exercida por quem os escreve começavam a incomodar.

Pois bem, agora é oficial: surgiu o primeiro caso de um blog brasileiro retirado do ar por conta de um processo judicial. O caso, inédito no país, limou da Web o blog coletivo Imprensa Marrom (disponível para visitação apenas no cache do Google). O aspecto mais surreal desse imbróglio é que a ação foi motivada por um… comentário. O autor do processo sentiu-se ofendido por um comentário deixado no blog, entrou com uma liminar na justiça e o Imprensa Marrom saiu do ar.

O precedente é perigossímo. Em um país que teoricamente defende a liberdade de expressão, ver um site fora do ar por causa de um comentário que sequer foi redigido por seus autores é algo de kafkiano. Fernando Gouveia, que escreve na Internet com o pseudônimo Gravataí Merengue e é o responsável pelo registro do domínio imprensamarrom.com.br, não esconde a angústia com o caso e alerta, sem esconder sua ironia: “muito cuidado com os comments que vão ao ar. Apaguem tudo que pareça minimamente ofensivo, pois alguém pode optar por, em vez de pedir a retirada do comentário, simplesmente processar o blog“.

O aspecto mais aterrador de todo esse caso é constatar que mergulhamos, oficialmente, no território das incertezas. A partir desse precedente, sou obrigado a fazer alguns questionamentos sobre a natureza de meu blog. Até que ponto posso emitir as minhas opiniões sem que algum melindrado ameace tirá-lo do ar por algum critério subjetivo? Chegará o tempo em que necessitaremos de consultoria jurídica prévia para a publicação de um post? Vale a pena permitir a publicação de comentários, ou será mais prudente limitar a interação do meu blog? Devo me limitar a escrever sobre o cardápio do meu café da manhã e as cólicas do meu cachorrinho?

Com a palavra, Fernando Gouveia:

Esta é a PRIMEIRA AÇÃO JUDICIAL promovida contra um blog por causa de comentário. Vamos criar jurisprudência. Essa causa, desculpe o pieguismo, é ‘de todos nós’. Não podemos deixar que ‘o outro’ ganhe essa ação, porque aí vai ser uma festa contra todos nós. Qualquer assuntinho mais polêmico pode ser alvo de uma medida assim, e os blogs definitivamente se condenam a ser um diarinho bundamole que versa sobre o umbigo do dono (e cuidado para que o umbigo - ou uma aliança do mesmo com o resto do abdômen - não processe o autor)“.

Geração cover

Por Alexandre Inagakidomingo, 19 de setembro de 2004

Você já deve ter participado de uma dessas rodinhas de violão em que algum camarada seu toca “Stairway to Heaven”, “Pais e Filhos”, “Patience”, “Maluco Beleza” ou qualquer outra música pra lá de batida, e toda a galera (a essa altura do campeonato pra lá de manguaçada) canta desajeitadamente em uníssono, acendendo isqueiros enquanto paqueras se desenrolam e a lua tapa os ouvidos com tamanha desafinação. Até aí, tudo zen. Mas o que dizer quando esses mesmos cantores de rodinhas de amigos tornam-se os campeões de vendas da indústria fonográfica brasileira?

O cantor mineiro Emmerson Nogueira vendeu mais de 700 mil cópias dos quatro álbuns que gravou pela Sony Music até hoje. Detalhe: nenhum deles possui qualquer composição própria e um ainda foi gravado ao vivo. Seu repertório? Regravações de sucessos conhecidos do pop/rock internacional em versões acústicas. Ou, como afirmam seus produtores, “com cara de barzinho”. É uma fórmula sem erros: ao regravar músicas conhecidas de bandas e cantores como Pink Floyd, Extreme, Eric Clapton, Oasis e Janis Joplin, com arranjos apurados e fiéis às versões originais, Nogueira montou um repertório apinhado de sucessos. O resultado: sucesso comercial garantido. Quem pensa que ele poderia se incomodar com o fato de fazer sucesso às custas de composições alheias engana-se. Em entrevista concedida ao site Universo Musical, Emmerson declara: “A cada dia lembro de uma música que poderia ter gravado. É algo que ainda quero fazer por muito tempo”. Continue Lendo

A Vila

Por Alexandre Inagakidomingo, 12 de setembro de 2004

Esta é uma das verdades mais óbvias: propagandas enganosas levam a expectativas equivocadas. Vide, por exemplo, o trailer veiculado em cinemas e TVs de “A Vila” (EUA, 2004), que levou muitos espectadores a pensar que assistiriam a um “Sexto Sentido II - A Missão” e provavelmente saíram decepcionados, o que é uma pena. Porque “A Vila” é um belo filme, talvez o melhor do diretor M. Night Shyamalan desde aquele do garoto que via fantasminhas nem sempre camaradas.

Seu ilusório trailer leva a crer que estaremos diante de um daqueles filmes com final retumbantemente surpreendente, induzindo o espectador a assisti-lo como quem brinca de Detetive (“foi o Coronel Mostarda, com o candelabro, na sala de estar!“). De fato, não foram poucas as pessoas que saíram da sala de cinema se gabando por terem descoberto o grande “segredo” da trama após alguns minutos de exibição. E assim, porque a “charada” é mais ou menos previsível, o espectador sai fazendo biquinho, dizendo que o filme é uma porcaria e que foi ludibriado pela propaganda.

No entanto, “A Vila” é uma envolvente parábola de tempos nos quais armas de destruição de massas são tão verossímeis quanto monstros na floresta. Se seus espectadores apreciassem o filme menos preocupados em montar supostos quebra-cabeças, talvez pudessem admirar a capacidade que Shyamalan possui em criar climas de suspense a partir de uma escolha precisa de enquadramentos (vide a cena em que a cega admiravelmente interpretada por Bryce Dallas Howard estende as mãos na varanda de sua casa enquanto as misteriosas criaturas se aproximam).

E assim, a partir da história de um pequeno vilarejo aterrorizado por criaturas que habitam as matas ao seu redor, M. Night Shyamalan constrói aquela que talvez seja a melhor parábola cinematográfica produzida até agora sobre o novo estado de coisas surgido após o dia 11 de setembro de 2001. Veja as pesquisas que apontam Bush Júnior em vias de se reeleger (isso sim é o que eu chamo de uma história de terror) às custas de campanhas em cima do discurso do Medo e da Paranóia, e pense nos métodos utilizados pelos líderes da vila para convencer os jovens a sequer cogitarem uma fuga para a cidade.

Quem leu o imperdível livro de entrevistas que Alfred Hitchcock concedeu a François Truffaut (recentemente reeditado pela Companhia das Letras) certamente se lembra do conceito de McGuffin: um elemento na trama que serve para distrair a atenção do espectador e alavancar a ação do filme, mas que não passa de um pretexto para que o verdadeiro tema da obra seja abordado pelo autor. Por exemplo, a maleta de “Pulp Fiction”, os microfilmes de “Intriga Internacional”, o dinheiro roubado por Janet Leigh em “Psicose”. Pois bem: ouso dizer que toda a trama em torno “daqueles-de-quem-não-podemos-falar” não passa de um McGuffin engendrado em um filme claramente inspirado pela cultura do medo.

Vale a pena citar ainda a recorrência de um tema caro ao diretor e roteirista M. Night Shyamalan: o ressurgimento da esperança em tempos sombrios. Temática que já se fazia presente ao final de filmes como “Sinais” (uma trama sobre ETs como pano de fundo para a história de um pastor que recupera sua fé) e “Corpo Fechado” (o surgimento de um super-herói em um mundo infestado por serial killers e lunáticos), e que volta a ser apresentada nesta espécie de paráfrase da caverna de Platão, sob a personificação de um amor (literalmente) cego.

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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