Flip
Por Alexandre Inagaki ≈ segunda-feira, 12 de julho de 2004
O tempo em Parati/Paraty, talvez influenciado pela súbita aterrissagem de tantos paulistas por aquelas paragens, viveu dias de típica esquizofrenia climática: amanhecia plúmbeo, depois ensolarava, daqui a alguns instantes ventava rasgantemente, mais acolá brilhava um solzinho macambúzio. Mas, no geral, foram dias de clima soporiferamente paulistano.
Caminhar pelo centro histórico de Parati foi um exercício de equilíbrio. Os olhos precisavam se manter grudados ao chão, sob pena dos pés tropeçarem por entre um e outro vão deixado pelas pedras irregulares do chão de Paraty, tornadas mais esquivas que o habitual pela constante garoa que pontuou os últimos dias da Flip. No entanto, nada que fosse capaz de ofuscar a ótima impressão que tive: foram dias repletos de encontros, reencontros e desencontros.
Assisti no Globo Rural a um acasalamento de emas na companhia de Emilio Fraia (Cardoso chegou pouco depois). Em um restaurante, Edgard Reymann falou de Martin Amis, mulheres peladas e comunidades esdrúxulas do Orkut. Após a oficina com Milton Matoum, seu xará Milton Ribeiro me confidenciou havia sido beijado pela Mônica Salmaso. Enquanto comia uma batata suíça no Casarão do Cunha, Daniela Abade revelou detalhes de seu surpreendente método de criação (mais tarde nos desencontramos em algum lugar aos arredores da Igreja da Matriz). Compartilhei com Suzi Hong, Gustavo de Almeida e Marcele Fernandes um mixuruca bife à milanesa enquanto um incauto atacava “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores” ao violão (algumas mesas à frente, Cecilia Giannetti era atendida por garçons com suspeito sotaque argentino). Recebi das mãos de Caco Belmonte seus “Contos Para Ler Cagando”, que eu, leitor desobediente, devorei antes do desjejum. Delfin ofereceu-me pastelina enquanto nós, torcedores incautos, desconhecíamos ainda o resultado do Derby. Fred Leal, Ivan Siqueira e Rafa Spoladore me acordaram no meio da noite chegando de alguma paragem etílica. Em meio a tudo, Augusto Sales parecia onipresenciar todos os eventos de Paraty.
Não assisti a nenhuma tenda, me desencontrei do Sergio Fonseca, do Hiro e da Barbara Axt, mal pude conversar com a Mara Coradello. Aliás, dizem também que o Tony Monti e a Ana Beatriz Ribeiro também estiveram por lá e não os achei porque sou desatento e estava com os olhos pregados nas pedras das calçadas de Parati, que além da Flip testemunharam as algazarras da Flipinho, da Off Flip e da Off Off Flip (se bobear, rolou também uma Off Off Flip do B). “Big Brother” cabeça? Evento para groupies? Sim, a Flip foi, indubitavelmente, um evento pop. Mas, ao mesmo tempo, e por incrível que pareça, também serviu para discutir literatura. E, a despeito dos caçadores de autógrafos, do atendimento lerdo dos restaurantes, da chuva fria e da falta de ingressos para as tendas de debates, aqueles dias em Paraty representaram uma festa para literato nenhum botar defeito (a não ser o João Ubaldo).
Ano que vem nos (re)encontramos por lá.