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Trecho de A Comédia Mundana, de Luiz Biajoni

Por Luiz Biajonisegunda-feira, 02 de dezembro de 2013

ATENÇÃO: você está prestes a ler um trecho de A Comédia Mundana, livro do meu amigo Luiz Biajoni que reúne três novelas policiais com nomes brejeiramente sugestivos: “Sexo Anal (Uma Novela Marrom)”, “Buceta (Uma Novela Cor de Rosa)” e “Boquete (Uma Novela Vermelha)”. Recomendo, pois, a leitores mais sensíveis, que cliquem aqui. Caso contrário, deleite-se com o teaser a seguir e encomende desde já um exemplar de A Comédia Mundana no site da Livraria Cultura.

* * *

Capa de A Comédia Mundana, com ilustração do mestre José Benício Fonseca.O céu estava bem azul, sem nuvens. O clima, quieto. Nem as folhas das árvores balançavam. O sol estava quente, embora não fossem ainda sete da manhã. Ninguém passava por ali, ninguém viu quando Vermelho abriu a porta e saiu de dentro da casa, segurando um balde cheio.

Debaixo do outro braço, ele tinha uma brocha larga e nova. Olhou para os lados, como se procurasse alguém, sentiu o ar fresco entrar em seus pulmões e caminhou até à frente da casa principal. Estava agora bem diante daquele amarelo esmaecido, que lhe causava enjoo. Olhou com cuidado. A cor pálida, toda craquelada, era realmente horrível. Era uma casa sem vida, sem cor, desbotada. O ânimo dele estava assim também.

Há muito tempo que ele queria isso, pintar a casa de vermelho, a sua cor, o seu nome. Não era um pedido complicado, não havia nenhum sacrifício. Sara não queria, gostava do amarelo, tinha trauma de casas pintadas de vermelho. Mas ele ia pintar.

Colocou o balde no chão, enfiou a brocha, ergueu pelo cabo o máximo que pôde. E começou a cobrir o amarelo com aquele vermelho escuro, brilhante. A cor aderia totalmente à parede, que parecia sedenta. E ele ia pintando, obstinado, enquanto a parede sugava.

Fazia já uns vinte minutos que ele estava ali, quando as meninas começaram a acordar. Os pássaros cantavam, o sol batia forte e ele sabia que o dia começava cedo no Recanto Drinks.

Não ligou para o barulho das primeiras janelas batendo, os primeiros olhares curiosos de dentro da casa. Ouviu também um tilintar de xícaras e seguiu firme em seu propósito. Pintava a casa de vermelho: era isso mesmo o que ele estava fazendo.

Uma das garotas saiu. Viu-o coberto de respingos, olhou para a parede vermelha e percebeu as moscas. Muitas. Cobrindo a parte pintada. Fitou Vermelho e seus olhos vidrados. O olfato foi provocado em seguida, um cheio podre. Ela entrou correndo em casa, segurando o vômito e o grito.

Quase toda a fachada estava vermelha e as moscas se amontoavam, vindas de todos os lados. Ele estava respingado; o vermelho misturado ao ruivo dos cabelos e da barba por fazer. Estalou a língua e sentiu um gosto ruim na boca, gosto de bílis, metálico. Os carros da polícia chegaram, junto com algumas pessoas das redondezas.

Os policiais foram se aproximando, cuidadosos, com as armas em punho. Ele permanecia imóvel, parado defronte da sua última grande obra, olhando para aquela parede frontal completamente vermelha, com pontos e pontos móveis negrinhos, as moscas que dançavam.

Vermelho estava ali, inerte, quase sem piscar, contemplando seu maravilhoso trabalho.

– O que está acontecendo aqui? – perguntou o policial, apontando para o peito de Vermelho.

– …

– O senhor mora nessa casa? O que é isso aí na parede?

– …

– Que cheiro insuportável! Oh, meu Deus! – exclamou, checando o balde, inerte ao lado de Vermelho – Isso é… É sangue!

– É sim – respondeu o homem. É da Sara.

* * *

P.S. 1: Curta a página de A Comédia Mundana no Facebook para conferir as novidades sobre o livro. E, bóbvio, não deixe de garantir seu exemplar a fim de desvelar a continuidade dessa história.

P.S. 2: A capa de A Comédia Mundana foi ilustrada pelo mestre José Luiz Benício, criador de mais de 300 cartazes do cinema brasileiro. Destaquei algumas de suas contribuições, da época do auge das pornochanchadas, neste post: Como era gostoso o meu cinema brasileiro (lembranças da Sala Especial).

Pense Nisso!
Luiz Biajoni

Luiz Biajoni nasceu e vive em Americana (SP). Além das novelas reunidas em "A Comédia Mundana" escreveu "Virginia Berlim - Uma Experiência" (OsViraLata, 2007) e "Elvis & Madona - Uma Novela Lilás" (Língua Geral, 2011).

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Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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