Prediletos da casa: Jeff Buckley

Por Alexandre Inagakisegunda-feira, 27 de abril de 2015

Apague a luz, a fim de apreciar uma boa música da maneira mais apropriada: de olhos fechados, para que a mente possa viajar longe. Depois, ouça Grace ou Last Goodbye usando seu melhor par de fones de ouvido. Se você completar a audição de uma destas músicas sem sentir um nó na garganta, sinto muito: você deve ter alguma falha grave de caráter.

My fading voice sings of love, but she cries to the clicking of time

Descobri Jeff Buckley há alguns anos, graças ao Napster. Estava eu procurando por uma versão decente de Calling You, quando me deparei com a cover de um certo Buckley. Baixei o arquivo mp3 simplesmente por puxar, e fiquei embasbacado: quem era o dono daquela voz extraordinária, que deixara meus ouvidos boquiabertos? Imediatamente passei a procurar na Web por todas as suas canções. Consolidei, enfim, minha primeira impressão: a obra de Jeff Buckley é um amálgama de folk, blues, jazz e rock da mais alta qualidade artística, com canções que falam sobre espiritualidade, dor e redenção.

A desert road from Vegas to nowhere, some place better than where you’ve been

Após descobrir a obra, vim a conhecer sua biografia. Jeffrey Scott Buckley foi o fruto indesejado de um casamento fracassado entre Mary Guibert e Tim Buckley. Tim, que foi outro brilhante cantor e compositor, deixou sua esposa quando Jeff tinha seis meses de vida, afastando-se do filho a fim de prosseguir com sua carreira musical. Eles só se encontraram uma única vez, em 1975, quando Jeff já tinha oito anos: passaram nove dias juntos. Poucas semanas depois, Tim morreu devido a uma superdose de heroína, aos 28 anos de idade.

I love you, but I’m afraid to love you

Jeff viria a lapidar seus dons musicais no circuito de bares e clubes underground de Nova York. Logo surgiram as inevitáveis comparações com Tim, transformado em legenda musical devido ao seu talento e sua morte precoce. Jeff nunca superou totalmente a ausência do pai durante sua infância. Em uma entrevista, declarou: “Quando nasci, meu avô me olhou e disse, ‘yeah, ele se parece exatamente com um filho da puta’.” Mas Jeff logo provaria ter talento suficiente para ofuscar comparações. Contratado pela Columbia, gravou seu primeiro álbum, “Grace”, em 1994, imediatamente reconhecido pela crítica como um dos melhores lançamentos daquele ano. Um disco definido pelo jornalista Bill Flanagan como pertencente à rara estirpe das obras que, mais do que meramente inspirar, fomentam maiores aspirações artísticas, instigando músicos a partirem em busca da superação de seus limites criativos.

Kiss me, please kiss me, but kiss me out of desire, babe, and not consolation

Jeff sempre foi avesso a badalações midiáticas. Quando recebeu uma cópia da revista People, que incluíra seu nome na lista das 50 pessoas mais bonitas do ano de 1995, ele jogou longe o exemplar, dizendo: “Isso não significa porra nenhuma”. Em busca da paz necessária, pôs o pé na estrada, viajando com sua banda pela América e pela Europa. Seu novo álbum só começaria a ser gravado três anos após Grace. No dia 29 de maio de 1997, satisfeito com os resultados das primeiras gravações, Jeff resolveu se dar uma folga. Viajou até a marina de Mud Island Harbor, às margens do mítico rio Mississipi. Mergulhou para nunca mais voltar: seu corpo foi encontrado quatro dias depois. Aos 30 anos de idade, Jeff Buckley repetiu o prematuro final de seu pai, deixando em vida apenas um álbum e alguns singles gravados: seu breve, mas precioso legado.

Maybe I’m just too young to keep good love from going wrong

Em 2000, Aimee Mann gravou Just Like Anyone, música em homenagem ao amigo que perdeu. A canção tem 1 minuto e 22 segundos de duração, tempo aparentemente curto. Mas mais do que suficiente para partir o coração de quem, sabendo do contexto de sua homenagem, compreende o impacto que a morte precoce de Jeff Buckley teve em todos os seus amigos e fãs.

And I will wonder just like anyone if there was something else I could’ve done

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

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Comentários do Blog

  • Srta. M

    Buckley e Mann no mesmo post? Nostalgia total !!!

    Pois eh, Ina, o tempo passa, mas as musicas e as lembrancas ficam (e as letras, nao se esquecer nunca das letras).

    Ha pouco tempo atras meu irmao foi ao Brasil, e eu, que sempre admirei o estilo de escrever desse prezado Japaraguaio, pedi o “Jogo da Amarelinha” de presente, pois me lembrei que eh um dos livros mais admirados e citados neste blog. Ainda nao pude ler, mas logo, logo…

    Tudo de bom proce, Ina-San, muita saude e felicidades!

    Srta. M.

    • http://www.pensarenlouquece.com/ Alexandre Inagaki

      Oi Srta. M, obrigado pelo comentário que eu só fui ler hoje (shame on me!). Espero que a esta altura do campeonato você já tenha começado a ler a maravilha que é O Jogo da Amarelinha. :D Como pensamentos bons não têm data de validade, desejo a você tudo de bom que você me desejou, mas em dobro! :)

      • Srta. M.

        :D
        Bjs, Lindo!

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

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