Como era gostoso o meu cinema brasileiro (lembranças da Sala Especial)

Por Alexandre Inagakisábado, 10 de dezembro de 2005

Nos anos 50 e 60, Carlos Zéfiro “catequizou” diversas gerações de adolescentes que fizeram muita justiça com as próprias mãos ao ler seus quadrinhos pornográficos. A partir da década de 70, foi o cinema brasileiro o (ir)responsável pela (des)educação sexual de muita gente, através das pornochanchadas produzidas em sua vasta maioria pela Boca do Lixo paulistana, região localizada no Centro velho de São Paulo. Se por um lado filmes como “O Grande Gozador”, “Xavana - uma Ilha do Amor”, “Aventuras Amorosas de Um Padeiro” ou “Reformatório das Depravadas”, lançados durante os tempos da ditadura, são acusados de despolitização e alienação, por outro é inegável constatar que foram produções que refletiram o zeitgeist de uma época marcada pelo surgimento da pílula anticoncepcional, na efervescência sexual de tempos pós-hippies e pré-discotecas.

O apelo popular das pornochanchadas provém de vários elementos, sendo o mais óbvio de todos a exibição dos corpos de musas como Vera Fischer (na época atriz iniciante, ingressando na carreira artística após ter sido coroada Miss Brasil em 1969), Aldine Müller, Helena Ramos, Zélia Martins, Nicole Puzzi, Zaira Bueno e Matilde Mastrangi. Ao erotismo, os produtores acrescentavam doses generosas de comédia, com vasta utilização de personagens estereotipados que até hoje fazem sucesso em programas como A Praça é Nossa ou Zorra Total. Por exemplo: o garanhão cafajeste, o velho tarado, a frígida gostosa, a moça “liberada”, o marido traído, a bicha histriônica, o safado engravatado e a empregada boazuda (sobre o assunto, confira o artigo A rica fauna da pornochanchada, de Ruy Gardnier).

Se nos primeiros anos as pornochanchadas não passavam de comédias de costume com uma e outra cena mais caliente (vide os sucessos de bilheteria “Como Era Boa a nossa Empregada” e “A Viúva Virgem”, ambos com mais de 2 milhões de ingressos vendidos), ao longo dos anos os filmes foram ficando mais apimentados. Um marco dessa virada foi a produção de 1977 “O Bem Dotado, o Homem de Itu“. Dirigido por José Miziara, definitivamente não pode ser considerado um filme para toda a família. Sua singela trama apresenta a história de um caipira chamado Lírio (Nuno Leal Maia) que é trazido para a cidade grande por senhoras da alta sociedade atraídas por sua “peculiar” anatomia. Eis o texto da sinopse original do filme: “Ao chegar em São Paulo Lírio conhece Julinha (Helena Ramos) e, pela primeira vez, sente o clamor do sexo. O ímpeto é tão forte que suas calças rasgam“.

Deste cRássico, guardo na memória as cenas de Nuno Leal Maia deixando todas as mulheres mancas após transarem com ele, assim como a inolvidável sonoplastia (o tóóóóóóóóóiiiim ouvido a cada ereção do personagem é simplesmente antológico). Eram tempos nos quais as produções não exibiam sexo explícito nem pêlos pubianos; em compensação, viam-se peitos e bundas em generosa profusão. Ou seja, exatamente o perfil dos longas-metragens exibidos na Sala Especial, sessão de filmes que a TV Record apresentava todas as sextas-feiras, às 23 horas, em meados dos anos 80.

Foi por intermédio da Sala Especial que vi pela primeira vez coxas, peitos e bundas, antes mesmo de começar a me interessar pelo sexo oposto. Assisti a muitos filmes toscos como “A Ilha das Cangaceiras Virgens”, “Histórias que Nossas Babás Não Contavam”, “Os Bons Tempos Voltaram - Vamos Gozar Outra Vez” escondido de meus pais, protegido pela penumbra da sala, com o volume no mínimo e a excitação que só as coisas proibidas podem nos trazer.

Em 1982, surgiu o primeiro filme de sexo explícito made in Brazil: “Coisas Eróticas”, de Rafaelli Rossi. A novidade teve repercussão imediata nas bilheterias: 4.525.401 brasileiros pagaram ingressos para assisti-lo nas salas de cinema. Foi o ápice de público, e ao mesmo tempo o começo da derrocada da Boca do Lixo paulistana. A recessão econômica e a popularização dos videocassetes, em sua maior parte abastecidos por títulos estrangeiros, foram as principais causas do fim das pornochanchadas. Hoje, com a popularização da Internet, que traz diretamente para as casas de adolescentes repletos de espinhas no rosto e hormônios no sangue vídeos pirateados por aí, falar em pornochanchadas é como recordar os tempos em que Papai Noel tinha barba preta. Mas foi bom enquanto duro.

* * *

P.S.: Os pôsteres de cinema que ilustram este post foram criados por José Luiz Benício. De seu site, tomo emprestadas estas palavras: “Durante mais de 30 anos, Benício foi o responsável por mais de 300 cartazes do cinema nacional obtendo diversas premiações. Benício também ficou conhecido pela exaltação às formas femininas em suas obras no período das pornochanchadas”.

Pense Nisso!
Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista, consultor de projetos de comunicação digital, japaraguaio, cínico cênico, poeta bissexto, air drummer, fã de Cortázar, Cabral, Mizoguchi, Gaiman e Hitchcock, torcedor do Guarani Futebol Clube, leonino e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos, não necessariamente nesta ordem.

Categorias:

Comentários do Facebook

Comentários do Blog

  • Pingback: Trecho de A Comédia Mundana, de Luiz Biajoni - Pensar Enlouquece, Pense Nisso

  • http://salaespecial deraldo

    que tempo bom de comer mulheres com mais amor.

  • http://www,carlosalkmin.com Carlos

    Querem o tema de Sala Especial? Eu tenho uma gravação muito tosca, feita na época. Antes da música, reparem na locução.

    Eu também gostaria muito de saber o nome da música.

    Ouçam em http://carlosalkmin.multiply.com/music/item/1/1

    Boas recordações!

    R: Caro Carlos, MUITO OBRIGADO por compartilhar esta pérola!

  • vinicius rabelo penna

    oi boa noite eu quero saber a onde anda a atriz zelia martins que fazia filme na epoca com vera ficher e filme nacional como sala especial porque ela e a minha tia a zelia martins ela e irmá da minha mãe que se chamava elizabete rabelo cotta que e a irma dela obrigado a todos se aluem saber sobre a noticia da zelia martins me manda pelo email vaeluuuuu…

    R: Caro Vinicius, boa pergunta! Espero que os leitores deste post possam lhe ajudar; também gostaria de saber por onde anda Zélia Martins… Repetindo seu email: [email protected]

  • vinicius rabelo penna

    quero saber a onde anda a atriz zelia martins eu acho que o nome dela todo e zelia martins rabelo penna ou só penna …eu só quero saber porque eu sou o sobrinho dela filho de bete rabelo cotta ela fazia filme pornó brasileiro com a atriz vera fischer na sala especial que tinha sergio malandro..quem saber dela manda pra mim valeu

  • NILTON

    Gostaria de saber qual o nome da música que era o tema de abertura da “sala Especial” na TVS?
    Abs. e obrigado

  • Alex

    Onde posso encontrar filmes dessa época?

    R: No site Putrescine. Link em uma das respostas dos comentários anteriores.

  • Alex

    Onde posso encontrar os filmes: As ilhas das cangaçeiras virgens e Histórias que nossas babás não contavam?
    Desde já, agradeço a informação, abraços

    R: Alex, recomendo que você visite o Putrescine.

  • ricardo

    alguem tem aquela musica da chamada da sala especial? era o maior barato. Comecava a tocar e o coracao disparava so de pensar nos filmes.
    Tinha noite que eu ia dormir as 2h da manha e nao aparecia nem um petinho. Ficava p. da vida. Qdo aparecia entao, era so delirio.

    R: Putz, também gostaria muito de saber qual era a música que tocava na abertura da Sala Especial!

  • marquinhos

    olá..
    gostaria de saber como conseguir filmes da atris sueli fernandes filmes como
    idilio proibido
    como evitar o desquite
    anjo devassa etc…..
    obrigado

  • Alexandre

    Parece que todo mundo tem mais ou menos as mesmas estórias pra contar…legal isso, pq me identifiquei muito com esse lance de ligar a tv escondido dos pais pra ver as primeiras bundas e seios, antes mesmo de estar, digamos, sexualmente interessado nisso tudo. Era uma curiosidade doida pra saber como era uma mulher, certamente o prenúncio da adolescência e de mais liberdade e de nossa iniciação de fato.
    A propósito, a última frase do texto “foi bom enquanto “duro”" foi ato falho?

    Caro xará, a última frase do texto foi ato trocadilhescamente proposital. Um abraço!

  • Paulo

    Como aquele personagem do bumbo na Praça da Alegria.
    Bons tempos não voltam mais…

  • Lima

    Vou ser direto: No momento o que eu gostaria mesmo é de rebeber fotos ou videos da Matilde Mastrangi da época áurea da pornochanchada, já que me será difícil comunicar-me com essa maravilhosa mulher, ou melhor, mulherão!!

  • Rubens Marques

    Adorava ver estes filmes. Gostaria de relembrá-los. Como faço pra ter acesso a esses filmes novamente ?

  • Rafael

    Gostaria de saber se é possivel adiquirir uma copia deste filmes com por exemplo: historias que nossas babas não contavam.
    Obrigado

  • Luiz Antonio

    Cara, quando você fala em
    “Foi por intermédio da Sala Especial que vi pela primeira vez coxas, peitos e bundas, … escondido de meus pais, protegido pela penumbra da sala, com o volume no mínimo e a excitação que só as coisas proibidas podem nos trazer.”
    Voltei ao meu tempo de garoto, pois, você descreveu em detalhes minha “inicialização” - Abraços e parabéns pela matéria!

  • hareton salvanini

    queria dar os parabens pelo site!!!!!!!! sou filho do máestro hareton salvanini que fez atrilha do filme xavana uma ilha do amor!!!!!!!!! egostaria se possivel adquirir o lp pois não tenho .meu pai faleceu ano passado e por isso gostaria com urgencia adiquirir o lp pois estou reunindo suas obras!!!!!!!!! por favor entre em contato comigo pelo email . muito obrigado.hareton(filho) salvanini

  • http://carlosmontani carlos montani

    gostaria de saber onde posso achar filmes de matilde mastrange?
    e preferencia dvd.
    Recomendo que você entre em contato com o pessoal do site Putrescine.

  • edgar

    aonde posso encontrar os filmes da Matilde Mastrangi e da Helena Ramos

  • Horacio

    Gostaria de poder se comunicar com a atriz Matilde Mastrangi

  • Robson

    Você tem fotos da Matilde Mastrange e outras atraizes para enviar?
    Por favor envie para mim.
    Obrigado

  • sérgio serrão barbosa

    Olá! Gostaria de receber em meu e-mail fotos da matilde mastrangi.Sou fã incodicionaldessa musa dos anos 80.

  • http://www.verbeat.org/blogs/pralademarrakech Renato K.

    Divertida lembrança. Que me fez lembrar de uma história: um amigo assistia a um filme desses (não me recordo o nome agora), em que um sujeito com uma flor-de-lis tatuada na bunda invadia as casas e as coisas da mulherada durante a ausência dos maridos. Certa feita um marido chega mais cedo e ele foge saltando pela janela, mas o corno vê a tatuagem. No final, descobre quem é o cara - seu amigo, diga-se. Pois bem: neste ponto, meu amigo assistindo com o volume bem baixinho pra não acordar os pais, e o marido traído tasca: “você e minha mulher me traíram, mas quem te traiu foi a sua BUNDA !! A SUA PRÓPRIA BUNDA !!!”.
    Imagine meu amigo correndo pra abaixar o volume.

Pense Nisso! Alexandre Inagaki

Alexandre Inagaki é jornalista e consultor de comunicação em mídias digitais. É japaraguaio, cínico cênico. torcedor do Guarani Futebol Clube e futuro fundador do Clube dos Procrastinadores Anônimos. Já plantou semente de feijão em algodão, criou um tamagotchi (que acabou morrendo de fome) e mantém este blog. Luta para ser considerado mais do que um rosto bonitinho e não leva a sério pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa.

Parceiros

Mantra

A vida é boa e cheia de possibilidades.
A vida é boa e cheia de possibilidades.
A vida é boa e cheia de possibilidades.